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«The Girl in The Spider Web» (A Rapariga Apanhada na Teia de Aranha) por Raquel Soares

A trilogia Millennium, escrita pelo controverso jornalista sueco, Stieg Larsson sempre se rodeou de um certo fenómeno. Os três livros, todos publicados a título póstumo, para além de serem aclamados tanto pelo público como pela crítica, inspiraram uma série de adaptações, nomeadamente: três filmes pela empresa sueca Yellow Bird, uma minissérie para o canal sueco SVT (um recorte dos 3 filmes, transformados em 6 episódios) e um filme americano dirigido por David Fincher, que teve por base apenas o primeiro livro.

A Rapariga Apanhada na Teia da Aranha (feito igualmente pela Columbia Pictures) é assim a adaptação do quarto livro, escrito por David Lagercrantz de modo a preencher as ansiedades dos fãs (e as carteiras do produtores) após de a morte de Stieg.

Os livros tinham como um dos principais temas a violência sexual contra a mulher e o feminicídio, fazendo uma reflexão de como estes não desapareceram mas apenas se transformaram e se mascararam pelas boas aparências. Nestes existe um claro entendimento de como a mulher estruturalmente sempre foi vista como o elo mais fraco, não só é visto como um desejável recetor de violência, como ainda é constantemente relembrado deste seu papel menor de modo a que nunca aspirar a um maior. Esta sensibilidade na obra torna-se mais clara com as revelações dadas pelo autor que aponta os livros como uma homenagem à rapariga, que certo dia viu a ser violada por uma gangue. Desde então nunca o desculpou por não ter intervido. Inclusive atribuiu o nome dela à famosa rapariga com a tatuagem de dragão.

Quando considerados estes factos seria lógico pensar que na era do #metoo e no suposto “ano da mulher” esta adaptação podia continuar (e até atualizar até) os temas do primeiro filme. No entanto, a única coisa que esta espécie de continuação pareceu emprestar ao tomo original foi a insistência numa longa (mesmo assim mais curta em relação ao primeiro filme) e melodramática sequência inicial em que figuras feitas de uma gosma preta se contorcem e distendem sem qualquer propósito enquanto os créditos rolam no ecrã. Um visual importado da obra de Fincher, desta vez de forma positiva, uma profunda preocupação com a estética fotográfica. Havendo um permanente jogo entre a neve e as cores, exaltando um vermelho de sangue ou mostrando o desespero de um preto sujo.

Claro que se pode afirmar com a mudança de realizador, agora Fede Alvarez (Don’t Breathe, Evil Dead), e renovação completa do elenco haverá sempre um tom diferente e que a permanente comparação dos dois filmes poderá ser injusta. Porém, a verdade é que o que nos é apresentado é uma história de ação profundamente hollywoodesca. A antes complexa e perturbada Lisbeth é enfiada num papel à Scarlett Johansson e o enredo lembra um episódio de séries como Hawaii Five 0. O resultado é um daqueles filmes que foge da lógica. Em que assistimos a uma personagem a ser baleada ou drogada e mesmo assim conduzir ou em qual somos obrigados a assumir que as personagens têm poderes psíquicos, pois é a única forma de poderem ter sabido onde uma outra qualquer ia.

Apesar disto tudo, o seu verdadeiro problema é que não tem nada para dizer (ou muito pouco). Enquanto no primeiro filme assistíamos a uma abordagem realista, usando a violência explícita como uma ferramenta para nos obrigar a confrontar com aquilo que ignoramos todos os dias, nesta, a pseudo tentativa de explorar a violação é apenas feita de forma implícita e frágil, aludindo sempre a um “aquilo” misterioso, o medo de olhar o problema de frente. Nunca chegando a analisar motivações ou pesos por trás da violência, esta é usada mais como uma ferramenta para mover a narrativa, uma explicação para a convertida má indole de alguém.

No que parece uma evolução natural neste caso, no segundo ato a narrativa começa a usar uma tática de heróis e vilões (vestindo mesmo a “vilã” com uma espécie de uniforme do mal), o que impede de abraçar as suas personagens originalmente tão cinzentas. A personagem principal, a do jornalista Mikael Blomkvist, é reduzido a uma figura de papel para agradar os fãs da saga. Por outro lado, a interpretação da Claire Foy como Lisbeth é bastante sólida e chega a ser mesmo estranhamente carismática (fica em aberto a questão se isto é um ponto positivo ou negativo), claramente uma tentativa de representar uma nova versão da personagem não querendo copiar nenhuma das atrizes anteriores.

Assim, A Rapariga Apanhada na Teia da Aranha se baseia no exercício de movimento e estilo, tendo muito pouco conteúdo. Tratando-se sim de um filme que entretém durante as suas duas horas de duração. Assim, apesar da sua componente técnica estar bem afinada, contando com sequências de ação impecavelmente coreografadas, falha a causar alguma impressão duradoura e sabe sobretudo a oportunidade desperdiçada.


Raquel Sousa