Terça-feira, 16 Abril

«Wildling» (Wildling – A Última Criatura) por André Gonçalves

É no folclore das histórias de terror para (não) adormecer, na cama ou de volta de uma fogueira, que muitos de nós ficámos pela primeira vez arrepiados. É a ouvir uma história sobre a existência de uma criatura selvagem próxima do imaginário de um lobisomem que começa Wildling, primeira obra de Fritz Böhm.

É no isolamento de um lugar próximo dos bosques, e sob o olhar cada vez mais curioso de uma criança que só conhece o primeiro nome – Anna – que vê a sua existência a ser confinada a um quarto, “refém” de um homem que é tudo o que conhece: o seu pai (Brad Dourif). É que Anna está em si a ser controlada para não ser aquilo que possa ser – em termos mais diretos, a última criatura que o subtítulo português em si já indica. A história de assustador é afinal verdadeira, pois claro. Um dia, a figura decide fugir para “o lugar melhor”, deixando esta ainda pubescente, medicada para que o seu amadurecimento seja adiado por tempo indefinido, aos cuidados, por obra do acaso ou destino, de uma polícia (Liv Tyler). 

O desenhar desta premissa nos minutos iniciais revela uma contenção digna quer como drama, quer como filme de género. Infelizmente, para frustração maior do espectador que estava a gerar expectativas de termos mais uma bela alegoria entre as mudanças corporais da puberdade e o sobrenatural do cinema de género (como evidenciado ainda no último mês pelo magnífico Thelma de Joachim Trier), o filme desemboca rapidamente numa disposição do óbvio, confunde uma boa composição de cenas com qualquer ambiguidade capaz de transformar personagens em criaturas tridimensionais. O fantástico aqui acaba por estar totalmente desalinhado com o totalmente genérico dos procedimentos a partir do segundo ato. Perante as maiores ofensas, está um suposto twist, um autêntico regresso do mundo dos mortos, a servir como tentativa óbvia de construir tecido emocional nos últimos minutos de um filme que, tal como a sua protagonista, cedo se mostra perdido com as suas habilidades, tentando esconder quaisquer comportamentos que fujam ao esperado por quem o/a observa. 

Wildling não é exatamente um desperdício de tempo, e a performance de Bel Powley (The Diary of the Teenage Girl) em particular tem o magnetismo preciso para acompanhar estas pseudo-transformações (até se mostrar previsivelmente irreconhecível, pelo menos), e manter o espectador minimamente atento. Não chega para recomendar totalmente, mas para primeiro esforço já vimos bem pior, sobretudo se o espectador for daqueles que tende a privilegiar realização a argumento. 

 

André Gonçalves

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