Quinta-feira, 28 Março

«Hunter Killer» por Rodrigo Fonseca

Louvável tentativa de resgate de um filão – o filme de submarino -, que tem The Hunt for Red October (1990) como sua pérola mais preciosa, Hunter Killer, soa como uma fantasmagoria no meio do cenário cinéfilo contemporâneo, parecendo uma relíquia que foi deslocada do seu museu. Soa coisa da saga de Braddock ou de Delta Force ou até mesmo de qualquer produto com Chuck Norris graças à sinopse em questão: dissidentes traidores das Forças Armadas da Rússia sequestram o seu próprio presidente, forçando um protótipo náutico bélico dos EUA a sair oceano adentro em resgate do estadista eslavo, evitando que os americanos sejam culpados do rapto. Toda a sua narrativa, muito irregular em ritmo, parece assumir que o contexto fílmico a que pertence é a década de ‘80, como se nada tivesse mudado para o zeitgeist daqueles anos.

Eternamente Leónidas (de 300), Gerard Butler é quem mais atua de modo desconectado com o presente, como se fosse Sean Connery de volta aos 1990. Conhecido pelo bem-sucedido Spud (2010), o cineasta Donovan Marsh, realizador de uma obra ainda pequena, parece querer imprimir em todos os atores – menos as “vacas sagradas”, Gary Oldman e Michael Nyqvist (falecido em 2017), aqui em seu penúltimo papel – um certo tom desterritorializado, como se estivéssemos todos há três décadas no passado. E funciona: o que torna este arcade game algo legítimo como um espetáculo estético cinematográfico é sua evasão quase proustiana no Tempo, sem empenho naquilo que Roland Barthes chamava de “foi aí”. Até o clima de Guerra Fria fora do cronograma, na batalha anunciada entre russos e americanos, dá esse gosto evasivo, de recherche du temps perdu, o que atenua os equívocos técnicos de direção e edição aqui e acolá. Equívocos que, contudo, não abafam o gesto político que está por trás de se fazer um thriller de ação nestes nossos dias.  

Patrulhado à exaustão pelo politicamente correto, por ser um herdeiro do ethos do faroeste e da brutalidade da ficção policial, o cinema de ação viveu, desde a fundação da indústria audiovisual, sopros esparsos de renovação – na narrativa e na linguagem – que impuseram respeito frente aos outros géneros e até influenciaram as cartilhas do storytelling. Assumindo-se que os dois primeiros marcos estéticos do filão são filmes hoje com 45 anos cada, ambos feitos em 1971 – The French Connection, de William Friedkin, e Dirty Harry, de Don Siegel -, é curta a trajetória de evolução deste que é o mais cinemático dos canteiros da dramaturgia, tendo picos de transcendência muito pontuais.

Uma lista rápida de filmes de ação renovadores traria as pérolas Death Wish (O Justiceiro da Noite, 1974), Rambo II – The First Blood (1985), Lethal Weapon (Arma Mortífera, 1987), Die Hard (Assalto ao Arranha-Céus, 1988), Point Break (Rutura Explosiva, 1991), Passenger 57 (Passageiro 57, 1992), In the Line of Fire (Na Linha de Fogo, 1993), Speed (1994), True Lies (A Verdade da Mentira, 1994), Heat (Cidade Sob Pressão, 1995), Broken Arrow (Operação Flecha Quebrada, 1996), Face/Off (A Outra Face, 1997), Fast and Furious (Velocidade Furiosa, 2001), Drive (2011), The Expendables 2 (Os Mercenários, 2012) e a obra-prima Mad Max: Estrada da Fúria, de 2015. Nos anos 2000, o quinhão de tempo que se estabelece entre 2002 e 2007 foi movimentado por uma trilogia que conseguiu emular elementos de 007 e Rambo, com um toque documental característico das coberturas da CNN: a série Jason Bourne, com Matt Damon, derivado da literatura de espionagem. E, do outro lado, veio Fast & Furious, que deu ao género da ação um aspeto de sitcom familiar.

Donovan não traz qualquer novidade plástica formal para Hunter Killer. Ele apenas evita que o género no qual milita vire um filme de Vin Diesel, ou seja, uma chanchada da família – o que já é algo louvável. E mais: ele exercita a cartilha dos clássicos do filão de modo reverente, como um bom estudante que decorou a lição palavra a palavra. Com isso, tudo funciona. Mas não de modo vivo… ou vívido.

Rodrigo Fonseca

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