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«Dogman» por Jorge Pereira

Novo ensaio de Matteo Garrone, o responsável por Gomorra e o Conto dos Contos, que aqui embarca numa história imersa no realismo suburbano encenado da década de 80 sem qualquer posição de nostalgia ou melancolia. Isso nota-se logo no tratamento da fotografia do filme, a cargo de Nicolai Brüel, que esbate as cores num permanente cinzentismo esbatido que reflete as ruínas urbanas de uma área abandonada fora da cidade onde a ação se desenrola.

É aí que o nosso Marcello (Marcello Fonte, enorme) – figura entre Buster Keaton e Roberto Benigni – tem uma loja de animais, espaço onde cuida da bicharada enquanto é visitado ocasionalmente pela sua filha pequena (que vive com a ex-mulher) e por clientes à procura do seu outro negócio: o tráfico de cocaína. Nesses clientes encontramos Simone (soberbo Edoardo Pesce), um verdadeiro bully da zona que visita frequentemente Marcello para conseguir o produto. Cocainómano irascível, Simone é um ex-boxeur que aterroriza tudo e todos usando a violência como arma, incluindo a Marcello, que se vê envolvido num imbróglio criminal à conta dessa “amizade”.

Baseado numa história real, algo que se sente principalmente no macabro último terço, Dogman oferece um retrato humano e pesaroso de um homem que não se consegue impor na sociedade a não ser pela sua ligação ao tráfico. De postura franzina, quase invisível aos olhos do mundo, Marcello demonstra acima de tudo uma inadequação social, onde as gentes em momento algum o respeitam, embora tolerem. De certa forma, ele é um chihuahua leal e barulhento que pela solidão nunca abandona o dono, mesmo que este o maltrate, enquanto Simone é o verdadeiro um pitbull rafeiro e raivoso pronto a atacar tudo e todos para conseguir o que quer.

Quando os dois entram em conflito, não estamos perante um modo clássico de David contra Golias, mas antes um retrato realista de personagens desviadas da sua natureza pelo poder, adições ou simplesmente demasiada boa vontade.


Jorge Pereira