Quinta-feira, 18 Abril

«Bécassine!» por Jorge Pereira

 

Objeto de polémica pré-estreia, que visava um boicote contra o filme pela perpetuação dos clichés contra “todas as mulheres da região da Bretanha“, a adaptação ao cinema da personagem criada em 1905 por Jacqueline Rivière, redatora-chefe da revista para meninas La Semaine de Suzette, não podia estar mais longe do alvo dessas críticas.

Na verdade, e embora se sinta que o filme se torna a certo ponto redundante e não tem assim tanto para dizer, em especial na questão feminista, Bécassine! é uma comédia ligeira onde nunca falta carisma e ternura em torno de um empregada doméstica bretã que ambiciona chegar a Paris, mas acaba por ficar pelo caminho na casa de uma marquesa (Karin Viard) a tomar conta da pequena Loulotte.

Fugindo da esquematização e do exagero das habituais adaptações ao cinema de obras da BD gaulesa (Asterix, Gaston Lagaffe, Spirou), e da imagem “saloia” e ridícula da própria personagem nas tiras, Becassine encontra-se envolvida num manto de burlesco e pitoresco sem cair na caricatura ou estupidificação para alcançar o riso fácil em modo sketch. Não, Bruno Podalydès (O Mistério do Quarto Amarelo), em conjunto com Émeline Bayart, a atriz que interpreta o papel-título, consegue criar um filme onde a sua protagonista prima acima de tudo pela sinceridade, gentileza e inocência, sem nunca se assumir como uma mera figurinha de cartão ingénua ou figura moral digna de eventual risota. Não, Becassine é acima de tudo uma personagem verdadeiramente humana, tão inocente como inventiva e sonhadora.

Esse cuidado com a personagem trespassa também para o filme, sendo criada uma verdadeira teia de dramaturgia encenada sobre uma época a partir de uma história pessoal, de forma meticulosa, com muitos elementos a lembrarem o cinema de Tati e até mesmo de Bruno Dumont e o seu mirabolante Ma Loute.

Bruno Podalydès revela-se assim um sonhador que nos oferece uma fábula doce, “um filme do antigamente” sem cair no erro da mera homenagem kitsch, onde de forma relativamente harmoniosa, fotografia, design, banda-sonora, guião e atores oferecem hora e meia de Cinema de qualidade.


Jorge Pereira

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