Sexta-feira, 19 Abril

«Halloween» por Jorge Pereira

Quarenta anos depois do primeiro filme, assinado por John Carpenter, David Gordon Green assume as lides da saga Halloween para lhe dar uma nova cronologia à saga e uma nova era industrial para Michael Myers. E embora o faça de uma maneira mais arrojada do que a mera reciclagem ou produto referencial, no final das contas, o cineasta confunde homenagem com integração dos elementos referenciais na sua nova visão, acabando por tropeçar posteriormente no jogo entre o drama e o terror, derradeiramente entregando um filme menos eficaz e assustador que certamente pretendia.

Tudo começa com dois podcasters a visitar Michael Meyers para tentar conseguir o que muitos falharam nos últimos anos: que ele fale. Consigo levam a mítica máscara, esperando que isso o impulsione a dar-lhes algumas palavras. Essa visita ao hospício revela – mais uma vez – um Michael reservado, silencioso, preso a blocos de cimento num pátio repleto de doentes mentais. Se o objetivo aqui era – desde o primeiro momento – criar uma atmosfera nebulosa em torno da personagem, Green começa logo a falhar pelo recorrer aos lugares comuns das alas psiquiátricas para criar a almejada tensão, pois o espectador já viu isto vezes sem conta em produtos do género.

Depois desse contacto frustrado com Michael, o duo de investigadores segue para a casa de Laurie Strode (Jamie Lee Curtis), a qual vive agora isolada em modo eremita com um comportamento extremamente antissocial. Enquanto descobrimos o estado psicológico desta mulher envelhecida, quarenta anos depois dos eventos traumáticos, vemos que ela se transformou numa espécie de Sarah Connor à espera do Dia do Juízo final. Ao longo da sua vida, Laura foi educando a sua filha, Karen (Judy Greer), em modo de total paranoia. Agora, tantos anos depois, ela não tem grande contacto com ela, embora permaneça ligada à família através do contacto com a sua neta, Allyson (Andi Matichak).

Até podemos dizer que a personagem de Curtis nunca foi muito trabalhada para além do ser uma “scream queen” por excelência de um filme simples, direto e aterrador, mas aqui ao tentar dar-se uma dimensão que preencha o espaço desses 40 anos pós-trauma, não se vai mais longe do que a superficialidade de uma mulher paranóica que se vira para o belicismo para combater o medo. E se podemos ver uma alegoria (ao #metoo) na qual três gerações de mulheres (Laura, Karen e Allyson) confrontam um predador comum, e de se carimbar uma tendência recente no género em mostrar a hereditariedade em confronto com os elementos desencadeadores do terror, a verdade é que o desenlace por aqui acaba por ser pobre e derivativo do cinema feito para massas, onde os elementos “são fechados”, mas há sempre uma janela aberta para Hollywood continuar a serializar produtos.

Quanto à personagem de Michael, esta não traz absolutamente nada de novo. O facto de nesta aposta ele não ser irmão de Laura, frisa cada vez mais o ponto de que é um assassino que age de forma indiscriminada e aleatória. Agora ele é seguido/acompanhado por um tal de Dr. Sartain (Haluk Bilginer) que evoca a “obsessão científica” do Dr. Loomis original, mas com menos nervo e atitude.

Por tudo isto, compreende-se a forma como Gordon Green lida com o novo e o velho filme, mas sobressai que no meio do que pretendia perdeu-se na sua demanda, nunca encontrando o ritmo ideal ou uma verdadeira química que permita unir os dois filmes como se fossem irmãos separados apenas pelos anos.


Jorge Pereira

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