Terça-feira, 19 Março

«Estiu 1993» (Verão 1993) por Jorge Pereira

O cliché de categorizar primeiras obras de novos cineastas como prometedoras ganha uma nova dimensão neste primeiro trabalho de Carla Simon, Estiu 1993 (Verão 1993), filme que não só demonstra uma grande maturidade de uma realizadora, mas representa por si só uma dos melhores produções espanholas de 2017, facto que o levou mesmo a ser uma das fitas com mais nomeações aos prémios Goya.

Neste drama, Simon triunfa pela forma simples e natural como aborda um tema complexo e impactante: a morte da mãe e os reflexos dessa tragédia numa pequena rapariga, Frida (soberba Laia Artigas), que enfrenta o primeiro verão com a sua nova família adoptiva, na Catalunha. Frida é um exemplo de estranheza e contenção na forma como lida com a perda e com a dor, um pouco o oposto da Ponnete de Jacques Doillon que nos encantou na segunda metade dos anos 90.

Esse naturalismo, quer na apresentação da década (design de produção, guarda-roupa, música), quer nas interpretações (quatro atores principais muito sólidos), em vez de criar um verdadeiro MacGuffin no enredo gere-se através de pequenas situações imersivas, momentos e hábitos da jovem, bem como a forma como observa o mundo atentamente, enquanto passa os dias com a mãe e a nova “irmã” mais nova, entre travessuras, brincadeiras e situações um pouco mais sérias, sem nada de psicótico ou neurótico nelas.

Longe da manipulação emocional ou do sensacionalismo, Simon sublinha também através desse pequenos apontamentos a saudade, as dúvidas sobre a doença, a morte e o que aconteceu realmente à mãe de Frida, a qual faleceu poucos anos depois do marido ter tido o mesmo destino – o que obriga a pequena a frequentar o médico frequentemente. E é essa subtileza dos diversos momentos – como quando Frida se aleija, sangra e provoca o pavor nas outras pessoas – que traz uma dimensão mais reflexiva a este trabalho, o qual nunca deixa de lado a relação labiríntica da pequena com os novos pais, com os parentes mais próximos e com os diversos retalhos da condescendência alheia para com uma “história tão triste” de uma jovem enclausurada num manto singular de dor.

Um bom filme, repleto de ternura, amor e astúcia, que vai além da mera primeira obra prometedora.


Jorge Pereira

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