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«22 July» (22 de julho) por André Gonçalves

 

Quando se filma um atentado político baseado em factos reais, há uma noção de coragem associada. Quando se filma três, fica difícil esconder o fetiche por este tipo de tragédia. Bloody Sunday, United 93 e agora 22 July – três dias, três histórias de terrorismo, três simulacros. (E de uma maneira arrepiante, três filmes que tiveram no mesmo ano visões alternativas sobre os mesmos eventos: SundayWorld Trade Center e U – July 22, respectivamente.)

Do Festival de Veneza para a Netflix, o filme de Greengrass toma logo, antes mesmo de ter efetivamente começado a filmar, uma decisão péssima (sobretudo em 2018, onde deixou de haver desculpas para tal): “inglesar” estas personagens – fazendo-as falar na língua globalizada que é o inglês, acaba por minar ironicamente o tom sóbrio e de cinema verité que sempre tentou alcançar ao longo do seu percurso. Tira-nos logo da ação, e dado que estamos perante um filme que procura tanta colagem à realidade, é um tiro no pé a obrigar logo amputação. 

O realizador pode ter pensado que não seria tão grave; que os benefícios, em primeiro lugar, de poder trabalhar com atores noruegueses numa língua que todos entendessem, na desconfiança que as suas intenções se perdessem na tradução, e em segundo lugar, na mais fácil internacionalização da obra, fossem facilmente suplantar este pequeno grande pormenor linguístico.  

Ao tentar desviar-se das acusações de sensacionalismo ao despachar o ataque propriamente dito para o primeiro 1/5 de filme, o que se passa é que o que resta não traz propriamente nada de novo em termos cinematográficos… Greengrass gosta aparentemente de uma técnica tradicional de montagem em que o áudio surge fora do tempo em que efetivamente aparece no ecrã (“j-cut”/”l-cut”) para dar tornar tudo isto mais fluído, e também para disparar a memória da vítima principal aqui retratada, mas esta aparente fluidez não torna efetivamente a ação, mais próxima de um telefilme (e daí estar bem entregue à Netflix), mais propositada.

Existe ainda assim, no meio da esquematização fácil de vítimas sobreviventes, advogados e criminoso, uma vontade política preditiva, uma aura de “filme importante” que é ainda assim difícil de abanar. Talvez se perceba, por uma conversa final, que fosse mais essa a intenção do realizador ter uma obra como esta em 2018, de refletir que de facto, este atentado possa ter sido apenas o início de uma era de medo e aproveitamento político desse mesmo medo. Infelizmente para este espectador, este é um filme duro de se ver e impossível de se rever não apenas pelos motivos que Paul Greengrass desejaria… 

 André Gonçalves