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«Sofia» por Jorge Pereira

Belíssima e estridente na sua contenção, Sofia, esta primeira longa metragem de Meryem Benm’Barek apresenta temas melodramáticos de forma tão subtil e mordaz que transforma a história de uma mulher como o reflexo de uma sociedade castradora e claustrofóbica, sem para isso necessitar de qualquer sentimentalismo exacerbado que podia gerar um efeito telenovelesco e excessivamente sentimental.

Partindo do princípio de que as relações sexuais entre não casados é ilegal e pode levar à cadeia em Marrocos, seguimos a história de uma jovem rapariga que dá à luz fora de uma relação. Quem a ajuda nesse parto é a prima, mas é difícil esconder do Estado esse nascimento, iniciando-se um procedimento judicial que vai arrastar a família da rapariga e do alegado pai (Omar) para um inferno de burocracias e hipocrisias. Entre segredos, mentiras e escape à realidade, Sofia representa uma mulher enclausurada numa sociedade que não só não a protege, mas torna-a igualmente refém das suas decisões. O mesmo se pode dizer do “pai” da criança, encurralado numa teia demolidora que o transforma igualmente numa vítima, conseguindo com isso a cineasta um trabalho extremamente amoral onde a imagem que se transmite é mais importante que os factos.

Filmando de forma realista, onde sobressaem os planos de conjunto – quando todos estão em cena – ou os planos de detalhe do rosto e expressão de Sofia e Omar, Meryem Benm’Barek consegue assim executar um filme repleto de nuances e complexidades dramáticas que fazem com que a obra escape aos lugares comuns e clichés, percebendo-se pois porque o filme triunfou com o seu argumento na secção Un Certain Regard em Cannes.

Nisto, estamos assim perante um poderoso e de grande impacto primeiro filme que revela uma cineasta com grande maturidade e inteligência na exposição das farsas e da separação das classes sociais num país em transformação, mas ainda com muito trabalho a fazer a nível humano.


Jorge Pereira