Sexta-feira, 29 Março

«Revenge» (Vendeta) por Jorge Pereira

Numa das cenas mais marcantes deste Revenge (Vendeta), uma empalada Jen (Matilda Lutz) “ressuscita” de uma espécie de crucificação a que foi submetida pelos seus predadores. A cena, magistralmente orquestrada pela francesa Coralie Fargeat, funciona de forma profundamente simbólica, traduzindo o princípio do renascimento após a punição a que foi submetida por três homens dispostos a apagar as pegadas da sua masculinidade tóxica e criminosa de imposição de poder pela força.

Esses predadores não deixam dúvidas desde os primeiros momentos: Jen é inicialmente apresentada como foco de desejo, primeiro do seu amante, Richard (Kevin Janssens), depois dos dois amigos dele, Stan (Vincent Colombe) e Dimitri (Guillaume Bouchède), os quais antecederam a sua chegada à casa do primeiro, onde iriam participar numa caçada anual.

A forma como Jen surge em cena pode ser vista como tóxica ou natural, ou seja, como uma espécie de fantasia masculina onde uma figura sensual “provoca” e “seduz” e é vista como um objeto de alheio, ou então de maneira natural, como uma verdadeira opção em expôr a sua personalidade livre e charmosa: “Queria abraçar a imagem fascinante e polarizadora de uma espécie de Lolita. Jen pode ser vazia e estúpida e objeto de desejo se ela assim quiser. Não deve ser (de todo) desculpa para o que vai acontecer a seguir.“, explica Fargeat, que carrega o seu filme com elementos que demonstram esse caráter profundamente sedutor, contribuindo igualmente para o tom nervoso que desde os primeiros instantes nos dão a perceção que algo de muito mau vai acontecer. 

E acontece mesmo! A certo momento, Jen é obrigada a lutar pela sobrevivência. Se estão à espera de um filme de vingança clássica e exploratória ao estilo de muito do cinema dos anos 70 e início dos 80, como Mulher Violada (1978) e Vingança de uma Mulher (1981), estão enganados. Revenge é mais Mad Max e Kill Bill que dessa linhagem, com a própria cineasta a reconhecer que dessa época apenas viu e destaca A Última Casa à Esquerda.

Na verdade, o filme usa os seus atos e crimes como símbolos de imposição/demonstração de poder, estando o regresso ao instinto primitivo de sobrevivência e uma jornada fantasmagórica entre a realidade, o sonho e o pesadelo da vítima, profundamente marcados, onde não falta uma mise-en-scene repleta de gore de forma distante ao típico cinema de terror, mas mais próximo dos tons mais exagerados e poéticos.

Sim, a violência neste filme é tão excessiva que torna-se absurda (vejam-se os litros de sangue a explodirem na sequência final) – ao estilo de Tarantino, Park Chan-Wook ou Jee-Woon Kim, como explicou a cineasta-, não faltando ainda diversos momentos de “body horror” onde Cronenberg ou Takashi Miike também vêm obviamente à cabeça.

Se pensarmos bem, o próprio sangue e corpo “maltratado” de Jen, tal como a árida e poeirenta paisagem que nos rodeia, funcionam como uma personagem per se. Veja-se a brilhante cena numa gruta em que Jen – ao melhor estilo de John Rambo – cura e regenera o seu corpo, qual Fénix renascida das cinzas de uma árvore. Memorável!

Uma nota final para a banda sonora de Rob, eletrónica com o sintetizador a repescar alguma nostalgia,  negritude e o mood das sonoridades dos anos 80 do sci-fi, ajudando (ou transportando) o espectador numa escursão ao medo e mistério que nos acompanha até ao fim. Em oposição, o ritmo dançavel de Brodinski, no momento certo, espicaça e sublinha o charme e liberdade da nossa protagonista. Tudo bem doseado, entre a luz e “a escuridão”, como se estivessemos perante estágios de vida-morte-nova vida.


Jorge Pereira

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