Quinta-feira, 18 Abril

«Blindspotting – À Queima-Roupa» por Jorge Pereira

A gentrificação de Oakland (uma zona conhecida pela sua violência e degradação que ganhou novo alento com a explosão tecnológica da Bay Area), as eternas questões raciais e a fuga às definições padrão dos indivíduo fundem-se neste BlindSpotting – À Queima-Roupa, uma curiosa primeira longa metragem de Carlos Lopez Estrada onde os problemas, dificuldades e tensões da mudança – no espaço, nas relações, nos comportamentos e responsabilidades – assumem um papel fulcral.

Se Edward Norton penava por ter de se apresentar na cadeia dentro de um dia para cumprir sete anos de encarceramento em 25ª hora, Collin (Daveed Deeds) tem 3 dias para acabar a sua liberdade condicional. Esses três dias serão longos e Deeds parece que em qualquer momento pode implicar-se ou ser implicado numa situação que lhe acrescente tempo à sua pena. Nesse período, enquanto trabalha numa agência de mudanças, assiste à morte de um homem à queima-roupa nas mãos da polícia, evento que o vai seguir psicologicamente ao longo desses dias em que se tenta encontrar a si mesmo e estabelecer novos limites e comportamentos com aqueles que estão à sua volta, tudo numa cidade em mudança, em particular com o seu melhor amigo, Miles (Rafael Casal), fortemente responsável pela sua detenção, e com a sua ex-namorada, Janina Gavankar (Val), que após um momento de extrema violência (que o levou à cadeia) deixou de o conseguir ver para além desse momento.

É um filme de reabilitações, renovações e novas realidades, em indivíduos e espaços que ganham nova vida, dimensão e abrangência, como se estivéssemos perante um coming-off-age tardio: dos indivíduos e da própria cidade. No processo, o realizador e os dois argumentistas (Deeds e Casal) conseguem entregar bons momentos, não só carregados de drama, mas também de humor (como o momento “Beauty Shop- As Malucas das Cabeleireiras“), e definitivamente tensão, sempre navegando entre “riffs” poéticos que tanto falam de banalidades como temas mais sérios  do seu trabalho e das suas vidas, sendo particularmente exemplar nos momentos de conflito as verdadeiras sessões de “slam poetry” que dão maior densidade ao drama que a toda a hora toca em temas sociais e políticos para além dos pessoais.

E embora por vezes se sinta que o tom é demasiado didático e de construção moral, a verdade é que se a maioria dos filmes do género agarra a sua narrativa através da música (o Rap) para descarregar a ira e revolta, Estrada prefere outra via, a do anti-cliché, trocando até as voltas nas personagens principais, como que distanciando-se do que é habitual ver no cinema feito em Hollywood (e do chamado “racial profile“). Veja-se, como pequeno exemplo, o início do filme, com La Traviata de Verdi a servir de banda sonora a um primeiro olhar geográfico e civilizacional captado pela lentesdo cineasta num jeito à la Spike Lee.

Mas isto não é de todo uma “joint” à Lee, e embora muitos o apelidem de um Não dês Bronca para os “millennials”, Blindspotting mostra subtileza e a comercialidade  “indie” dos novos tempos (onde não faltam alguns momentos a lembrar os videoclipes), perdendo na acutilância, pujança e naturalidade mais crua e dura em relação ao cineasta nova-iorquino.


Jorge Pereira

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