Paul Schrader sempre fora estudado como um curioso caso isolado. Cinéfilos de gema e com profundos conhecimentos da natureza cinematográfica, por norma, nunca geram grandes cineastas e o invocado é exemplo disso. Por mais esforços que cometa (até mesmo o próprio admite), será relembrado no fim dos seus dias como o argumentista ao invés da sua carreira a solo, esta diversas vezes subestimada na indústria que insere.

Em todo o caso, Schrader é um “outsider” duma Hollywood que não acredita em si própria, e os seus filmes [dirigidos] são a prova de uma total descrença no sistema como na emanada cinematografia. Contudo, eis que nos chega First Reformed, que diríamos ser o fim de uma dificultada maratona, uma corrida de resistência que culmina uma fadiga constante de um autor dececionante perante os obstáculos que sucedem a (ainda) outros obstáculos. Provavelmente esta é a sua epifania, a desilusão a tomar conta da figura, e esta projetada no destino da Humanidade por via da sua ferramenta mais intima.

Sob o protagonismo envolvente de Ethan Hawke (possivelmente o seu papel mais visceral, inerentemente falando), First Reformed nos leva, como as palavras indica, a passos cuidadosos para uma igreja secular, o travelling de espera na passagem dos créditos iniciais nos transmite um efeito de reconhecimento perante o cenário que servirá mais que template da narrativa, uma aura fantasmagórica, a ponte invisível entre mortal e o divino imortal. Nela, Hawke, um “pároco” (reverendo Ernst Toller) que perdera o seu filho na Guerra, fustigado por uma angustia silenciosa somente tranquilizada pela fé pregada, ou sem rodeios, uma espécie de analgésico espiritual. Mas é ao encontro de um dos seus “cordeiros”, um ambientalista desesperado pela descrença na tão negligenciada humanidade, que Toller despertará para uma nova realidade, um fosso que parece interligar o seu luto que se revolta para com o estado das coisas que o rodeiam.

Por mais referências que encontremos neste espiritualismo mutilador, de Bresson a Ozu (passando por Dryer e Bergman), que transcrevem os planos e os movimentos destas personagens suicidas, é a autorreferência de Schrader que First Reformed triunfa como uma meta atingida. É o Taxi Driver do novo século, inserido num mundo no qual tem que partilhar com os imensos “rebentos” do mundialmente conceituado filme de Martin Scorsese (que o próprio Schrader escreveu). É a estrutura intacta a servir de fortalecimento a este grito de ajuda, tal como a igreja que assume -se como vetor narrativo, é a reconstituição moderna perante um “esqueleto” de outros tempos, assim, First Reformed sob um tremendo ar bafiento de ’70 (não com isto insinuar que o Cinema precisa diariamente de lufadas de ar fresco) ergue-se numa ousadia modernizada.

Enquanto que Taxi Driver  resumia aos grunhos e ao seu ativismo algo anárquico, esta nova chance de Paul Schrader remete-nos ao ativismo dos sábios. Impulsores divergentes, causas percorridas em iguais pisadas. É na descrença que a verdadeira fé é atingida, poderemos contar com isto num filme religioso, mas a crença não se baseia em teologias fundamentalistas, First Reformed olha para o mundo deixado por Taxi Driver, e o atualiza, refletindo-o numa dolorosa agonia. É a politica, sob as agendas anti-trumpistas, fervorosamente renegando outras politizadas tarefas, como o ambientalismo a fugir dos panfletismos Al Gore (possivelmente, e em certa parte, o mais sóbrio dos filmes ecológicos).

Não saindo da temática das causas, First Reformed liberta-se do filme-ficção para endurecer como a causa que Paul Schrader fervelhava no seu negro intimo. E sob o reflexo das suas paralelas criações (First’ e Taxi’), eis a redenção encontrada de um autor que nunca se confirmou (até então).

Atenção, daqui fala um anterior cético (à imagem da descrença absoluta de Ethan Hawke) que, também graças à bênção divinal nos braços de Amanda Seyfried, tornou-se num crente. Devastador e destemido. Existem atualmente poucos filmes assim.

Pontuação Geral
Hugo Gomes
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