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«Don’t Worry, He Won’t Get Far On Foot» (Não Te Preocupes, Não Irá Longe a Pé) por André Gonçalves

A certo ponto deste Don’t Worry, He Won’t Get Far On Foot (título que é também a punchline de um dos cartoons do protagonista), discute-se a diferença entre ofício e arte: o objetivo do ofício é a perfeição, logo a repetição das tarefas é desejada, tendo as variáveis controladas, no caso da arte, pretende-se a expressão, via criatividade. E se Gus Van Sant é venerado em certos círculos como um “autor”, sempre capaz de imprimir aos seus trabalhos um quê de distinto, também é certo que há um lado tarefeiro na sua arte. Veja-se os seus filmes mais aclamados pela Academia de Hollywood: Good Will Hunting e Milk – bons filmes mas já formatados o suficiente para servirem a perfeição académica.

Digamos que esta sua mais recente história de um “bom rebelde”, o cartoonista alcoólico John Callahan (Joaquin Phoenix, efetivamente presente e mais subtil que o esperado), ajudado por uma figura fraternal (igualmente subtil, se ainda mais irreconhecível Jonah Hill, já um forte candidato ao Oscar de Melhor Makeover do Ano) é um digno sucessor dessas aventuras de prestígio. Ao não se render a um sentimentalismo fácil durante praticamente todo o tempo do filme, embora as notas do compositor Danny Elfman estejam por vezes inclinadas para o fazer, Van Sant faz, no cômputo geral, justiça à figura real que escreveu, antes de morrer em 2010, um livro, sob o qual o argumento deste filme se inspirou. Mas acaba por não ser mais do que decente nas suas indecências… 

Ao longo de anos, vamos acompanhando, com bastante repetição, esta odisseia de um homem que decidiu não se render às circunstâncias da vida – mais concretamente, um acidente que o deixou tetraplégico como consequência direta dos seus excessos no álcool. Esta repetição, bem trabalhada pela montagem, como se de um ofício particular se tratasse, ameaça a todo o momento cansar e aborrecer-nos, é certo. Por outro lado, serve o propósito de traduzir a dinâmica de tentativas presente na recuperação de um vício. Não é por acaso que o filme começa precisamente com um discurso a ser repetido em vários locais, gravado numa cassete mental, como segurança, uma história que se conta aos outros como desculpa, posteriormente passada para a caneta.

Van Sant, pese a subversidade conservada deste protagonista, farta-se de repetir códigos cinematográficos que já foram usados vezes suficientes para serem considerados minimamente criativos. Se é refrescante ver as artistas musicais Beth Ditto e Kim Gordon entre os “álcoolicos anónimos” (tentando certamente provar que não são menos que Courtney Love, quando colaborou com Milos Forman), a maneira como a dinâmica dos 12 passos é incorporada na biografia é já demasiado linear face à arte do protagonista, por exemplo. A tirada final, a fotografia do “real” Callahan com a indicação do ano da sua morte após outra queda de cadeira de rodas, numa das suas manobras radicais, acaba por parecer uma provocação acidental no meio de um filme, que, a brincar a brincar, e mesmo mostrando uma vontade genuína de incorporar o artista na obra (com os cartoons a serem animados em pontos-chave), é ainda assim mais serviçal que verdadeiramente artístico.

 

André Gonçalves