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«L’Atelier» (O Workshop) por André Gonçalves

Numa das decisões mais inspiradas e pontuais da história do Festival de Cannes, o júri presidido por Sean Penn (também num dos grandes momentos da sua carreira) decidiu atribuir a Palma de Ouro a – e por conseguinte, colocou definitivamente no foco – Laurent Cantet, cineasta que via assim o seu cinema de coletivo a chegar a novas audiências, incluindo a este espectador com A Turma. Foi há 10 anos atrás e nota-se o impacto – nele, em nós, e nos que passaram a emular esse naturalismo desconcertante que nos coloca como “moscas”, ou então secundários extra, mudos mas pensantes, dentro da ação. 

L’Atelier (O Workshop) abre com um videojogo, um role playing game, como se costuma chamar. Não é à toa, pois após uma breve de cena em que vemos aquele que será escolhido como figura principal do conjunto de jovens a flutuar, voltamos a um cenário próximo à sala de aula, com uma discussão em torno da construção de uma história e personagens para um romance policial, a ser editado futuramente. A “professora” não é mais do que uma escritora de sucesso, o workshop do título é este, encarado à letra. Claro que Cantet, juntamente com Robin Campillo (120 Batimentos por Minuto – 2016 foi definitivamente o seu ano, com dois títulos de peso nas duas competições principais de Cannes) no argumento vai-nos aos poucos mostrar que há um workshop, uma masterclass a ser desenvolvido especialmente para o espectador, que mexe com expetativas do que nós próprios possamos querer ou imaginar, pelo menos, ao qual os 5 ou 6 euros de admissão parecerão uma pechincha. E sim, haverá também, se não um policial, um suspense a ser desenvolvido, em parte porque Cantet não expressa logo as suas intenções, prefere primeiro enturmar-nos, para depois conquistar e frustrar, consoante seja o seu à vontade com cinzentos. 

Existem obviamente aqui temas potentes como a jihadização, o crescente racismo vivido numa França mais “rural”, que ainda ecoa os atentados de Paris, mas Cantet e Campillo, como de costume, não julgam pelo prisma mediático que precisamente incentiva ao ódio. Não se abstém, porém, de colocar frente a frente uma França duvidosa da extrema-direita (escritora e maioria dos seus formandos) contra quem acredite que o país estivesse melhor com mais barreiras ao estrangeiro, para preservar o que se quer que chame de cultura. A figura da escritora curiosa está também ela com fendas, talvez revelando o que o seu “aluno perigoso” lhe acusa – e que por sua vez ela e restantes colegas o acusam quando este tenta escrever pela primeira vez algo – de estar demasiado excitada com o que observa, quiçá não apenas de um ponto de vista literário… Aqui, a atração pelo medo obviamente a piscar o olho também de volta ao espectador, que, no último segmento de filme, deverá ter as unhas ou o casaco à disposição. 

Apesar de efetivamente continuar-se a priviligiar o trabalho de conjunto, pode-se dizer que desta vez o jogo passou a ser jogado a dois, em vez de ter apenas um relato diário de um observador privilegiado. E aqui, Marina Foïs e o jovem Matthieu Lucci entram no jogo com uma bela entrega; conscientes que não haverá exatamente um lado vencedor, tratam de expôr os seus cinzentos ao espectador. Os dispositivos/meios para mostrar estes tons cinzentos podem parecer facilitistas (um texto lido em voz alta à “turma”, por exemplo), mas o resultado/objetivo final é tudo menos isso. 

Filme sobre a juventude? Sobre o processo criativo? Percebe-se a necessidade de simplificar um filme que a certo ponto nos coloca em sobressalto com um “vale tudo”. Voltamos entretanto tanto àquelas sessões criativas como à nossa própria juventude, e reparamos que o que as une é precisamente essa indefinição – em confiar na história/personagem que se escreve, ou em seguir rumo para uma vivência adulta. Vale tudo, lá está. Belíssimo filme cinzento este. 

 

André Gonçalves