Terça-feira, 19 Março

«Monsieur & Madame Adelman» por Jorge Pereira

A primeira meia hora de Monsieur & Madame Adelman oferece a esperança de um daqueles épicos conjugais entre o romance e o drama, repletos de humor ácido, mordaz e charmoso, um pouco como Jeux D’Enfants (Verdade ou Consequência) o fazia com uma grande dose de humor negro.

Pois bem, infelizmente as suas extensas duas horas tornam-se tortuosas num misto entre lamechice, más decisões e derradeiramente a extrema previsibilidade, afundando as pretensões do dramaturgo e ator em estreia Nicolas Bedos, que na sua demanda pela grandiloquência acaba por esbarrar na repetitividade, redundância e clichés narrativos, não faltando ainda diversos truques da linguagem publicitária e de TV num trabalho que se quer assumir como cinema comercial com ambições de autor.

Estamos em Paris, na década de 1970, e Victor, um boémio que ambiciona ser um escritor respeitado, conhece Sarah, alguém com quem vai passar a noite, naquela que será a primeira de 45 anos juntos. Mas não se pense que o relacionamento do casal prosseguiu em linha reta , pois pelo meio de inúmeras inseguranças, confusões e uma perseguição à fama, que consiste essencialmente em ganhar o Prémio Goncourt, Victor e Sarah vão-se cruzando esporadicamente, cada um com diferentes parceiros, até ao dia em que decidem realmente fugir de uma festa de natal. “É tão bom fugir a meio da noite com alguém que se ama“, diz Sarah. Nós sabemos, e é tocante a afirmação (embora ingénua e juvenil), mas esta tendência para puxar de forma mercantilista pelos espectadores românticos incontroláveis soa a um déjà vu monótono de violinos impostos, para não dizer uma estratégia puramente comercial [que soa a desonesta] de caçar público com crowd pleasers genéricos com pinta de irreverentes.

E se a personagem de Victor transmite a sensação de desprezo pela pela forma obcecada como quer triunfar na literatura, embora superficialmente sirva como reflexão ao mundo de afirmação pessoal em que vive e ao síndrome do impostor, a figura de Sarah (Doria Tillier em bom nível), em profunda subserviência perante o “Amor da sua vida”, incomoda, especialmente porque tudo é tão centrado numa figura de pedestal, que tudo o resto é adereço, incluíndo os filhos ou qualquer um que se aproxime do casal.

Mas o grande problema de Monsieur & Madame Adelman ainda é outro. Tal como o casamento dos dois se revelou no final: depois dos primeiros tempos [e minutos de filme], a história torna-se exaustiva e derivativa num formato retalhado, tornando-se derradeiramente todo o projeto num misto entre o insuportável e o irrelevante.


Jorge Pereira

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