Terça-feira, 19 Março

«Submergence» (Submersos) por Jorge Pereira

É acima de tudo a entrega ao seu papel de James McAvoy que salva este projeto de Wim Wenders de ser apenas e só mais um registo de paixões reavivadas na memória quando uma situação limite coloca um casal naquilo que Terrence Malick definiria como a Thin Red Line (A Barreira Invisível), na mais profunda meditação sobre a mortalidade e aquilo que ainda nos prende à vida.

Baseado no livro homónimo de J.M. Ledgard, este elíptico ensaio de Wenders vai à frente e atrás para contar como Danielle (Alicia Vikander) e James (James McAvoy) se apaixonaram numa zona costeira. O duo conheceu-se num hotel e passam quatro dias intensos entre conversas mais ou menos interessantes, entre o engate pelo registo intelectual e o desejo carnal primário. Só vamos vendo essas imagens quando ambos, já nas suas situações limite, revivem na sua mente esses momentos, descobrindo aos poucos que este casal enamorado tem os seus próprios segredos, em particular James, já que é um espião, mas finge ser um engenheiro e está retido na Somália e em profundo cativeiro por uma célula da Al-Qaida.

Mais interessante do que essa busca pelas memórias do casal é a interação de James com os seus sequestradores, resultando daí alguns dos melhores momentos do filme, como aquele em que é levado para o mar à espera que um premir do gatilho lhe retire a vida. Intenso esse momento, contrasta seriamente com aqueles em Danielle surge em cena. Não diria que a personagem é maltratada pelo argumento, mas o seu tratamento é bem menos incisivo nos desafios científicos tremendos e de perigosidade que tem pela frente. Talvez tenha sido problema do próprio texto, talvez a culpa esteja na abordagem da realização, e talvez até a responsabilidade esteja em Vikander – Danielle é profundamente insossa – ao não conseguir entregar o dramatismo e a expressividade corporal que McAvoy, um dos atores contemporâneos mais interessantes nesse trabalho de ator (pensem em Fragmentado, apenas recentemente), atinge.

Essa distância física, psicológica e até metafísica entre uma e outra personagem não lhes retira química como casal, mas derradeiramente cria uma espécie de dois filmes dentro de um, de um trabalho a dois tempos e duas ideias, nunca conseguindo Wenders ser suficientemente consistente – decidir – no seu trabalho e entregar um conto a duas vozes e pensamentos que se fundem num só?

E embora seja refrescante não podermos caracterizar este trabalho dentro do romance, drama ou thriller, este “nem carne nem peixe” nas mãos do realizador acaba por destruir qualquer densidade dramática, levando-nos mesmo a questionar: “Onde é que anda o Wenders dos primeiros tempos?


Jorge Pereira

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