Terça-feira, 19 Março

«Deadpool 2» por Jorge Pereira

Em 2016, Deadpool abanou com engenho o cinema de super-heróis em tempos de domínio total das fórmulas militaristas, mas familiares, da Marvel/Disney e dos eternos perseguidores desse mercado, os apelidados “mais negros” DC/Warner. E Wade Wilson e o seu Deadpool não se limitaram a derrubar a quarta parede, como dissemos na nossa crítica nessa altura, mas afincadamente surgiam como uma lufada de ar fresco na mudança do tom de um subgénero demasiado padronizado, visitando no processo com relativo sucesso o politicamente incorreto, o romper com o esquematismo e, acima de tudo, mantendo-se a léguas de quaisquer moralismos e manuais de educação de bolso com contornos telenovelescos.

Deadpool 2, que se entenda logo neste segundo parágrafo, é uma desilusão em quase toda a linha, não só porque (sobre)vive à sombra do primeiro filme, mas porque se vende a lugares comuns do drama de cordel e do filme de ação banal repleto de resoluções simplistas, todas tratadas no meio de uma descrença total (não interessa quem morre, há sempre uma solução) e personagens marcadas pela previsibilidade (as do primeiro filme repetem ações e tiques, as novas são pouco trabalhadas e conseguidas).

E é ainda mais triste perceber que o trabalho no marketing desta sequela foi infinitamente superior ao de escrita do seu argumento, um guião limitado abarrotado de soluções básicas. Pior, no meio da sua confiança arrogante que repetir a fórmula basta, o filme ainda cai no erro de acreditar que ao se auto-parodiar escapa à crítica ou ao escrutínio. Sim, Deadpool por diversas vezes usa a expressão “lazy writing” e tem razão. A metapiada funciona que nem uma luva, mas esta é uma verdade factual: a escrita desta continuação é mesmo preguiçosa e gozar consigo mesmo não a salva (nem nos faz esquecer) dessa fraqueza.

Ora, num filme que vive essencialmente de três vectores – comédia, ação e romance com pitadas de drama – só o primeiro realmente funciona, embora aqui também se sinta que não existe uma verdadeira continuidade, mas sketchs soltos (como os spots publicitários) que vão funcionando aqui e ali, sempre em torno de referências acidamente pop, com beliscões cinematográficos (Instinto Fatal, Logan2, Frozen, etc) musicais (George Michael/Wham, Bowie) e até escatológicos.

Quando passamos para a ação, esta demonstra-se profundamente rotineira, em especial porque “um dos gajos que fez o John Wick” substituiu Tim Miller e não conseguiu apresentar nada de verdadeiramente novo, a não ser a repetição, um bocejo de sequências que deveriam ser muito mais tensas ou inovadoras na fuga à presciência da fórmula.

Chegando então à vertente romance e principalmente ao drama, sem grandes soluções para lidar com o assunto através da comédia, o filme cai no verdadeiro exagero lamecha e dos moralistas de bolso “familiares” que já em Star Wars tentam encontrar explicações, soluções e salvamentos para os “Kylo Ren” e “Magneto” deste mundo. Assumindo como missão salvar um jovem das garras do mal e da justiça de carrascos (mesmo como paródia, não funciona), Deadpool entra numa verdadeira travessia pelo exagero dramático, do pretenso sentimentalismo e da psicologia estereotipada, a qual não só aborrece pela redundância e superficialidade, como afasta a perspetiva de puro entretenimento como um termo absoluto, retirando ainda a personalidade descomplexada que o primeiro filme tinha criado. 

Por tal, pela perda de alguma identidade e mera sobrevivência nas sombras delirantes do estilo de humor do primeiro filme, Deadpool 2 acaba por ser um retrocesso e uma oportunidade perdida naquele que provavelmente será o último filme fora do Universo Cinemático da Marvel.


Jorge Pereira

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