Não deixem-se enganar pela estética plastificada digna de um quadro – “Zama” – a quarta longa-metragem da argentina Lucrecia Martel (que regressa após 9 anos de ausência) é um filme cruel para com o seu protagonista, o homónimo barão que cede à deterioração existencial e social perante os desejos longe de se cumprir.

É a espera que cai sob colossal peso na consciência da personagem encarnada por Daniel Giménez Cacho, respeitado oficial da Coroa Espanhola destacado num posto fronteiriço de Paraguai, que anseia pela transferência para Buenos Aires a fim de estar reunida com a sua família, que vive cada dia sob tremenda eternidade e um silencioso desespero. Se em “Zama” encontramos o registo de martirologia, é bem evidente que a hostilidade emanada pela realizadora reflete de igual maneira na subtileza visual. Perfeitamente encabeçada nos enquadramentos gerais, Martel é uma cineasta que prioriza o visual acima da narrativa convencional, mas é ao invisível que recorre, afrontando a visibilidade e questionando com isso,as suas próprias imagens. Tal como fizera com o seu anterior “La mujer sin cabeza”, o filme decorre sobretudo na inerência do seu protagonista.

Neste “Zama”, para além de se focar nas miragens fantasiadas pelo protagonista, Martel afirma uma conscientização de um terreno além-visto, desde os fantasmas, literalmente falando, até à assombração do mortal Vicuña Porto, cujas as exaustivas referências o transformam num espectro do mal representado, passando pelas fantasias idealizadas (desde o desejo de Buenos Aires até ao corpo idolatrado de Lola Dueñas). É por isso que por mais ordenado e formalista “Zama” se identifique, o filme tende em ser outro, vagueando por pântanos subtropicais até se transformar em algo mais, a possibilidade de descartar a sua importância estética (não desfazendo o belo trabalho do português Rui Poças no departamento de fotografia) em prol de um lirismo quase etéreo – Martel filma os colonizadores da mesma forma que os colonizados e os animais para diluí-los numa universo igualitário.

Por cá, caem comparações com “Jauja”, do conterrâneo Lisandro Alonso, o colonialismo invasor versus a América mística que sobrevive em derradeiros redutos (nem que sejam os imaginários), e o esoterismo captado pelas lendas duradouras e falsamente inseridas em sociedades em transição. Em ambas as obras, o El Dorado é procurado, cada um à sua maneira e em contextos térreos divergentes.

Pontuação Geral
Hugo Gomes
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