Sexta-feira, 29 Março

«Não Me Ames» (Love Me Not) por André Gonçalves

De todas as cinematografias a (re)emergir no século XXI, a grega será sem dúvida a mais sui generis, a mais geradora de reações choque, a mais difícil de descrever aos principiantes, e porém, já dona de um género próprio. Com o pontapé de saída dado por Yorgos Lanthimos e o seu Canino, chega agora, discretamente, às nossas salas, o novo filme do cineasta Alexandros Avranas (Miss Violence). E antes mesmo de podermos finalmente ver o seu esforço de internacionalização, com Dark Crimes, protagonizado por Jim Carrey e Charlotte Gainsbourg, nota-se já um piscar de olho ao cinema ocidental – a saber, à tradição do filme noir. Assim, temos um cocktail entre umas quantas pitadas de surrealismo que tanto caracterizou esta nova vaga grega, e um género muito norte-americano, retratanto pessoas asquerosas a tentarem escalar o máximo possível uma montanha que pode a qualquer momento desabar… 

Love Me Not parece também um convite ao espectador para não se enamorar muito por estas personagens, tal é o fel que aqui é derramado. Um casal, inicialmente visto com uma ambição normal de ter uma criança, contrata uma jovem para ser barriga de aluguer, não poupando a esforços e orçamento para a fazer sentir-se bem, que passa por convidá-la a morar com eles, ao longo do período de gestação, assim cremos. Enfim, uma sinopse já de si pronta para pôr alguns cérebros em curto-cirtuito revela-se ainda mais maligna quando nos apercebemos do que está em jogo.

E pronto, assim, na velocidade que um carro em alta velocidade dá uma guinada ao lado, somos postos perante um programa onde a crise moral de uma burguesia wannabe é tema central, e onde a partir daí, vale tudo – isto é, também estas personagens estão sob rédea curta, maltratadas, tudo em prol do bem (mal) maior. O seu calcanhar de Aquiles estará precisamente, não necessariamente na falta de empatia pura pelo que acontece no ecrã – até porque a história do cinema está repleta de grandes filmes protagonizados por personagens antipáticas – mas sim na prisão redutora em que estas vivem, vítimas do (co)argumentista-barra-realizador sequestrador Avranas. Este aparenta ter o complexo de superioridade reservado aos grandes cineastas, que inclui neste caso não dar nomes às suas personagens, limitando-se a chamar nos créditos “homem” e “mulher” – um pouco à imagem do que Aronofsky também fez no ano passado com mother!, mas desta vez numa escala metafórica bem mais pequena e bem menos memorável convenha-se (aqui, supõe-se que seja apenas para generalizar a luta global da tal falsa burguesia em dar golpes do baú com receio de viver eternamente numa crise). Falta, se não algum talento já bem evidente na composição de cenas, saber não perder o espectador na sua manipulação mais ou menos óbvia, no seu trajeto até ao final castigador inevitável.

A ver vamos como isto se traduz em “hollywoodês” daqui a uns meses, mas para já, segue uma recomendação minimamente respeitosa com as devidas reservas, acima explicitadas.

André Gonçalves

 

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