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«Madame» por André Gonçalves

Não que precisássemos de uma grande desculpa para voltar a rever Rossy De Palma, mas a desculpa supersticiosa sobre a qual Amanda Sthers construiu e realizou esta peça deve ser das mais esfarrapadas da história do cinema recente. Uma senhora tipicamente dondoca, muito preocupada por ter 13 pessoas à sua mesa para jantar, decide convidar a criada, sob a condição de não revelar a sua condição. O que ela não esperava era que a sua “criada malcriada” se fosse tornar no centro de atenções de um senhor endinheirado, causando a inveja/ciúme da senhora Madame… 

Portanto, temos no fundo o que esperávamos: uma comédia de costumes misturada com a também clássica narrativa do peixe fora de água. Tudo bem, nem todos os filmes têm que ser imprevisíveis, e se a comédia romântica sempre teve esse calcanhar da previsibilidade, do happy ending, também é certo que o factor principal, bem vistas as coisas, é o caminho para chegar a esse final feliz, com os amantes à chuva, como o filme tanto cita – e aqui lançando pistas para o que (não) virá depois. Por outras palavras, o que importa acima de tudo é a primeira parte de “comédia romântica”: a comédia. E esperava-se, com a presença da atriz espanhola, que viesse aqui o aproveitamento, não só físico ou culturalmente brejeiro do seu humor. Fomos mal habituados, em suma. É precisamente isso que Sthers (de um apelido tão difícil de pronunciar como este seria de imaginar maior compaixão pelo mundo em redor) se limita a fazer. Piadas a cheirar a bolas de naftalina, que no seu modo menos ofensivo traz comparações entre aspirar e pilates – é assim tão superficial o humor aqui – e no pior, bem… no pior, repetem à exaustão os estereótipos culturais de franceses, espanhóis, britânicos e americanos, de uma maneira que pode fazer o espectador preferir estar a ver uma maratona de “Batanetes”, que ao menos teria sido melhor avisado para o que vinha.  

De Palma não chega para tamanha ofensa, e o facto de, num papel mais aparentemente secundário, ombrear facilmente com a Madame Collette, deve ser considerado já uma vitória para a musa de Almodóvar. Não é que houvesse atriz capaz de superar os traços unidimensionais das personagens aqui presentes. Se a premissa roça o ridículo, as decisões ao longo do filme questionam a lógica, tudo aqui é volátil, desnorteado – não é só a Madame que de repente, tem uma crise de confiança; o próprio filme parece não saber o que quer efetivamente, e resolve-se daquele modo, que, num outro contexto, onde efetivamente houvesse um outro filme nos 80 minutos anteriores, poderia pedir aplausos. Aqui, soa ainda mais cobarde esta “fuga”. A resposta é instintiva: um encolher de ombros perante tanta falta de noção. 

A verdade é que Madame nem sequer consegue ser ABC, quanto mais HBO… 

 

André Gonçalves