Quinta-feira, 28 Março

«7 Days in Entebbe» (Operação Entebbe) por Roni Nunes

José Padilha consagrou-se com Tropa de Elite, um registo em modo “ação” balizado por inúmeras considerações morais e imbróglios temáticos. No universo exclusivamente do cinema, a sua estreia com capitais internacionais, Robocop, não pode ser considerado um verdadeiro projeto autoral – no sentido que exigências comerciais e de produção condicionaram o que ele eventualmente poderia ter acrescentado à uma releitura do clássico de Paul Verhoeven.

Operação Entebbe mete-se por terrenos (muito) pantanosos. Reconstrói um episódio real, o sequestro de um avião da Air France, em 1976, por dois ativistas alemães, ligados à organização Baader-Meinhof (interpretados pelas estrelas do elenco – Rosamund Pike e Daniel Brühl) e um grupo de palestinianos. Com uma decisão algo insólita, eles usam como base para as suas negociações um aeroporto de Uganda, país então dominado pelo muito louco e imprevisível Idi Amin (Nonso Anozie). O governo de Israel desenvolve então a Operação Thunderbolt, uma das mais notórias da sua história.

A ênfase é menor na ação do que na tentativa de criar personagens envoltos em dilemas difíceis. Em termos morais, o argumento tenta o equilíbrio quase impossível em conciliar o discurso revolucionário e a suas ações, e as decisões de homens de Estado presos entre a política e o fator humano – todos embrulhados em escolhas de grandes consequências.

No mundo dos “terroristas”, Padilha faz um esforço q.b., ainda que titubeante, para entender e aceitar a lógica revolucionária dos anos 70. No século XXI, ironicamente um tempo desesperadamente órfão de crenças universalistas coletivas (só a extrema-direita ainda parece tê-las), é necessário um esforço para não ridicularizar a fé ingénua de um pequeno editor alemão (Brühl) no sequestro de um avião em nome da justiça da causa palestiniana.

A terrorista de Pike é mais ambígua, mas mal construída, resultando ineficaz o drama da personagem vivida por uma atriz deliberadamente desornamentada de sua fulgurante presença física (de Gone Girl, por exemplo). Já o drama do soldado israelita (Ben Schnetzer) e sua namorada dançarina (Zina Zinchenko) retomam os tormentos do capitão Nascimento (“polícia tem família”), mas terminam por não passar de um cliché pouco relevante.

De qualquer forma, o facto de ser uma coprodução europeia (envolve a Working Title e o StudioCanal) torna viável que Padilha e companhia elevem o tema do terrorismo a um patamar mais sério do que às fábulas de propaganda de Hollywood – onde o mundo se divide entre bons e maus, estes últimos facilmente catalogáveis em rótulos de “marketing” estilo “eixo do mal”.

O espinhoso conflito israelo-palestiniano é enfocado através de dois homens de Estado. De um lado está o belicoso Shimon Peres (futuro moderado na vida real) em modo simpatético (vivido por Eddie Marsan) e de outro Isaac Rabin (interpretado por Lior Ashkenazi) que assume o tom conciliador que seria intolerável no mundo cá fora (fora do âmbito cronológico do filme, viria a ser assassinado por radicais israelitas). Uma nota ainda para Benjamin Netanyahu nos créditos finais, embora aí seja necessário ressaltar a falta de coragem à produção, dentro da sua própria lógica, para referir-se àquilo que foi a sua política de atrocidades.

A dança, coreografia de Ohad Naharin e representação da Batsheva Dance Companhy, confere uma graça especial ao filme – unindo sua força simbólica (os dançarinos que se despem de trajes ortodoxos) com as suas possibilidades cinemáticas (as trajetórias paralelas entre o espetáculo artístico e o militar).


Roni Nunes

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