O ensino do português não se pode limitar aquilo que chamamos matéria”, como refere o jovem professor Alberto Soares (Jaime Freitas) perante o reitor do Liceu de Évora (João Lagarto), uma pequena lição que poderia ser seguida pela nosso Fernando Vendrell (aqui registando o seu regresso à realização, 12 anos desde “Pele”). Reformulando essa doutrina algo ativista citada pela personagem, o Cinema não se pode limitar aquilo a que chamamos narrativa, visto que no caso de “Aparição”, a adaptação do homónimo livro de Vergílio Ferreira, exista uma clara sede de ir além do seu próprio enredo.

Tal sente-se, numa narrativa descosturada, que desesperadamente liga e interliga situações, figuras e pensamentos que são aqui e ali invocados de maneira despachada. Pena, até porque em termos produtivos, “Aparição” comporta-se como uma lição bem estudada às milésimas estruturas televisivas que se confundem nas grandes telas, porém, para este filme em si ser sobretudo incisivo era preciso não se contentar com a superficialidade e num ato como o de beber e gargarejar por completo os reflexos contidos na obra.

O incentivo da criatividade, o existencialismo que desafia a religiosidade de um Portugal (ainda) refém e a subliminar crítica a um país que se vive nas odes das “limitações seguras” (“não é permitido ter mais que a quarta classe ou mais de 300 porcos”), sugestões desaproveitadas em prol de uma narrativa direta que não despreza a intelectualidade do espectador, mas que nunca verdadeiramente a incentiva.

Um caso em que o storytelling não é tudo enquanto não existir uma profunda introspeção à relação à matéria-prima, e que por sua vez, não basta ser “boa adaptação” como se limitasse “aquilo que chamamos matéria”. Entretanto, existe sempre uma luz no fundo disto tudo, da mesma maneira que “Amor Impossível”, de António Pedro-Vasconcelos, usufruiu da sua “força centrífuga“: Victoria Guerra releva-se mais uma vez, que mesmo sob pequenas doses, é um dos must do cinema nacional e esperamos que não só dele.

Pontuação Geral
Hugo Gomes
aparicao-por-hugo-gomesA esta altura do campeonato exigimos mais artificio aliado ao storytelling