Terça-feira, 19 Março

«Mary Magdalene» (Maria Madalena) por Jorge Pereira

 

Em 591 depois de Cristo, o Papa Gregório Magno relacionou – numa homilia – Maria Madalena com a prostituição, mencionando que ela seria a pecadora anónima que unge os pés de Cristo com as suas lágrimas em Lucas 7, 37-39. Essa associação foi quase a oficial até 2016, altura em que o Vaticano a assumiu como apóstola.

Esta pequena nota surge antes dos créditos finais deste Maria Madalena e serve como desculpa para fazer o enésimo filme bíblico em torno de Jesus e dos seus apóstolos com a única variante que Madalena seria sua discípula e não uma meretriz, esposa ou mesmo uma figura inexistente na sua vida. Sim, este é um filme sobre Jesus e a Madalena no título está nele, mas a certo ponto é transformada em adereço.

De facto, muito pouco conhecemos desta mulher e o filme não se aventura em nada para trazer alguma coisa de relevante. Inicialmente apresenta-a como alguém preso a uma vida que não quer e que decide abandonar a família para seguir com Jesus, tendo pelo caminho influenciado as suas palavras e o contacto com as mulheres com o seu toque humanista.

Assinado por Garth Davis, o responsável por Lion – A Longa Estrada Para Casa, Mary Madalena é uma obra filmada em modo automático e esquemático, sem uma ponta de originalidade, marca, ou distinção visual (cinematografia plana, desenxabida no uso da luz, contrastes, saturação), onde os atores cumprem a sua função com alguma mestria, mas sem qualquer transcendência.

Acaba por ser banda sonora do falecido Jóhann Jóhannsson (e Hildur Gudnadóttir) é a única coisa que realmente atinge o céu, mas até esta se perde num filme que nunca parece muito bem saber o que quer. Profundamente desritmado e sem qualquer chama, estamos perante uma road trip por caminhos de cabras e ovelhas em que assistimos a conversas sobre o reino dos céus, Deus e o nosso papel no meio disto para travar a injustiça dos invasores romanos. Tudo num molde de frases feitas muito pouco densas. Há também tempo para milagres, com o de Lázaro, naquele que é talvez o momento mais intenso de toda a obra, a par da chegada a Caná, dois laivos de angústia e de força ígnea que cortam um filme profundamente tépido.

O que mais entristece (ou aborrece) é que havia aqui material para tratar tudo de forma mais insurreta, nem que seja por dar um novo sentido à figura controversa de Maria. Mas na verdade, o projeto revela-se extremamente conservador e pouco ou nada inovador no método, fechando-se numa cápsula de drama introspetivo ascético e caindo ainda no erro de oferecer muito pouco sobre os restantes apóstolos – há apenas um esforço em mostrar algumas situações de Pedro e Judas, sem que exista uma verdadeira continuidade nas suas personagens.

O resultado desse desleixo? Quando chegam algumas resoluções dessas mesmas personagens, como a traição de Judas a Jesus, ou Pedro a assumir uma postura controladora do que devem fazer após Jesus morrer e ressuscitar, tudo soa a falso, a uma decisão apressada sem progressão interna e evolutiva.

Assim, tudo neste filme parece desconexo, sem grande sentido, ou extensão, com o argumento a focar-se inicialmente na condição da mulher, através da figura de Maria Madalena, para depois sucumbir e transformá-la numa figura secundária do seu próprio filme. Uma decisão bizarra e extremamente redutora para algo que se queria progressista.


Jorge Pereira

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