Terça-feira, 19 Março

«Tehran Taboo» por Jorge Pereira

Provavelmente Max Fleischer nunca pensou que a sua invenção técnica – o Rotoscópio – iria um dia ser utilizado num filme como este Tehran Taboo, um projeto ambicioso e arrojado que apresenta a podridão moral do ser humano, o qual, condicionado na sua liberdade, “se vê forçado a uma vida dupla”.

A escolha da técnica de animação, que consiste em aplicar camadas de imagens geradas por computador no topo de imagens de ação filmadas por atores reais (pensem em Waking Life ou A Scanner Darkly), acaba por ajudar na abordagem aos diversos temas que o filme abrange, nem que seja por distanciar o espectador das histórias e das personagens sem perder realismo ou impacto. Pelo contrário, o uso do rotoscópio permitiu filmar o projeto em qualquer sítio e depois levá-lo para Teerão, onde seria certamente impossível filmá-lo.

E desde o primeiro momento que o filme procura fazer mossa. Logo a abrir, somos levados até um Táxi onde uma prostituta começa a fazer sexo oral ao motorista, isto enquanto no banco de trás do carro está Elias, o filho da mulher. A meio do felacio, o condutor começa a esbracejar indignado, tudo porque pela janela viu a filha na rua de mão dada com um rapaz. A cena, que acaba num pequeno acidente de viação, é trabalhada de uma forma cómica, mas nela existe uma crítica explícita que nos vai acompanhar até ao desenlace de uma história construída em mosaico e que vai fazer com que várias personagens – cada uma com os seus dilemas e constrições – se cruzem pelo caminho.

Essa prostituta, Pari (Elmira Rafizadeh), é uma das personagens centrais, mas a narrativa invoca mais duas mulheres e um jovem rapaz amarrados por uma sociedade que os oprime nos mais diferentes níveis. Óbvio que o foco é a condição da mulher, dependente do homem para se divorciar ou para arranjar um emprego, mas existem igualmente críticas ao protecionismo que impede o acesso a elementos culturais externos (música, tv que vão contra a moral e os princípios do país).

O grande problema de Tehran Taboo é que na sua demanda em desmistificar vários estereótipos da sociedade iraniana, cria outros através da redução de todas as personagens a figuras bidimensionais, boas ou más, em especial dos homens, onde só o pequeno Elias é exceção. Todos os outros são apresentados como moralmente corruptos, ou então adúlteros e chantagistas forçados a serem o que são devido aos males do país e de uma sociedade que os sufoca. Essa falta de liberdade – na visão do argumentista e cineasta – oprime e obriga as pessoas a viverem com dois padrões de vida, com dois pesos e duas medidas. Mas não são as pessoas que fazem o estado, ou é o estado que faz as pessoas?

Ali Soozandeh não tem dúvidas e responde de forma panfletária sem espaço para ambiguidades e com algumas decisões amorais em nome da “sobrevivência”. Veja-se a nossa prostituta, forçada a entrar num jogo de submissão com um juiz para conseguir que ele assine os papéis do divórcio, mas sem problemas em entrar no mesmo jogo para conseguir ter benefícios com isso. Aqui o tabu não é iraniano, mas Universal. O poder corrompe e muitas destas questões – despidas dos elementos facilmente criticaveis da sociedade islâmica, como o estatuto da mulher, não podem servir para o corromper moral das pessoas, como Ali parece “desculpar” algumas ações.

Mas mais importante que isso, e voltando propriamente ao Cinema e em especial à narrativa desta obra, Tehran Taboo carece essencialmente subtileza (as cenas que envolvem drogas são formuláticas e clichés ao estilo “Riscos”), polimento e uma maior profundidade, embora – para um cineasta em estreia nas longas metragens – esta seja uma película repleta de audácia e suficiente “sangue na guelra” para seguirmos o seu futuro com atenção.


Jorge Pereira

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