Está escrito naquilo que chamamos a “História do Homem”, que desde a descoberta do fogo uma criatura sapiente conseguiu por fim moldar o seu redor em prol das suas necessidades, com isso tornando possível a sua própria alteração. De homo habilis ao Cro-Magnon, a espécie humana foi capaz dos maiores feitos, esses que o colocaram numa posição acima de qualquer outra raça animalesca que caminhava sobre o planeta.

Early Man (A Idade da Pedra) não é a habitual jornada alusiva a Era uma vez … O Homem (Il était une fois… l’homme, de Albert Barillé) que iria resumir em hora e meia e com os habituais gags do seu estúdio – Aardman – toda essa viagem ao moderno hominídeo.

Nada disso, aliás existe um dispositivo mais aprofundado nesta animação stop-motion, uma tentativa de consolidar a nossa importância como humanos, a partir do simples facto de termos tornado espectadores. Confusos? Aliás, como esclarece a filosofa francesa Marie-José Mondzain no seu célebre ensaio, a conversão do homo sapiens a homo spectator (homem-espectador) é a capacidade de olhar para a imagem e ir para além do ato de contemplar, refletir e atribuir a representação aos meros traços desenhados e cravados em pedra. É a arte rupestre, os mistérios ou os simples devaneios artísticos dos nossos antepassados, e possivelmente a primeira tendência antecipadora do Cinema, o veiculo pré-histórico de narrar ou apresentar uma mensagem pronta a ser encriptada.

E são essas gravuras no qual concentra o núcleo de toda a intriga “futebolesca” deste Early Man, mais dos que evidentes “chutes na bola” que um grupo de homens das cavernas, no intuito que reaver as suas terras, terão que executar em frente à chamada “civilização”. E novamente, são esses testemunhos pictóricos que arrancam e desfiam todo este enredo contaminado pela astúcia dos gags e pela proeza de o fazer sem ridicularizar qualquer faixa etária. Tendo a batuta de Nick Park, um dos “cabecilhas” dos estúdios Aardman, responsáveis de êxitos como Wallace & Gromit e Chicken Run (A Fuga das Galinhas), Early Man é um objeto lúdico de animação sofisticada, conseguindo, em paralelismo com o seu primo americano Laika, fundir o tradicional e árduo stop-motion com o CGI (aqui utilizado somente como segunda demão).

O resultado é gratificante para os olhos da mesma forma que as personagens conseguem emancipar dos iniciais códigos de caricatura.

Porém, é também sabido que nesta história de uma liga de futebol a atravessar os primeiros passos do Holoceno exista um certo quê de “freedom” às burocracias estabelecidas por outrem. Em língua mais atual, as provocações do Brexit que caíram aqui como inequívocos, que segundo algumas fontes, Park escrevia tempos antes do fenómeno sociopolítico acontecer. Talvez esse equivoco atribuía ao filme um inesperado cariz crítico, vestindo com uma máscara de moralismos encharcados neste tipo de produções.

Mas sim, Early Man recorre facilmente à sapiência, assim como evidencia o seu lado mais “primitivo”, a sujeita emoção.

Pontuação Geral
Hugo Gomes
early-man-a-idade-da-pedra-por-hugo-gomesUma animação astuta e inteligentemente disparatada