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Red Sparrow: a Guerra Fria e o seu canto do cisne

O pano ergue-se. A orquestra arranca o primeiro acorde, preenchendo o teatro com uma melodia rompante e furiosa. Por fim, entra em cena a estrela, a dançarina que exibe toda a sua destreza, dirigindo-se graciosamente para a luz do holofote que a ilumina de essencial natureza.

Ela é a rainha do palco, e todos os olhos da ópera a seguem como se tivesse sido decretado pecado perder de vista qualquer movimento que seja produzido pelo seu corpo delicado. Contudo, a alguns metros dali, um outro “bailado” decorre, um americano vagueia pelo jardim noturno em busca da sua “toupeira”, o infiltrado/aliado na sua luta contra o sovietismo oculto mas presente.

O encontro destas duas figuras misteriosas vai-se revelar uma emboscada, da mesma maneira que a dançarina será traída pelos movimentos adversos do seu companheiro de dança. Que tragédia … em ambos os cenários. Aparentemente, nada de relacionado existe nesta convergência temporal, mas há uma carnalidade entre estes dois momentos nesta intriga imaginada por Jason Mathews, no seu bestseller: Red Sparrow.

À primeira vista, eis mais uma oportunidade de Hollywood seguir a sua infernal busca pelos antagonistas vermelhos – a União Soviética bem entranhada na memória do cinema de espionagem dos anos 60 e 70 – continuando a persistir em velhos rancores (provavelmente nunca expirados) e atribuir o seu quê de pastiche em todo este cenário. É a Rússia “gringa” a pairar como a ameaça num filme sem atitude de esquivar os seus evidentes maniqueísmos, até porque justiça e medo apenas estão distanciados por 4 km.

Mas face a isso, o grande dispositivo de Red Sparrow fez escola na formação de novas Mata-Haris – a piscar os olhos às aventuras trágico-eróticas de Tinto Brass (Salon Kitty, 1976), revelando-se o novo produto de Francis Lawrence num objeto no mínimo sedutor; quer no requinte técnico-narrativo (a primeira sequência encadeada é um exemplo grandiloquente disso), quer na construção da intriga, mantendo-se longe dos lugares-comuns do convertido cinema de ação (apesar da palavra-chave espionagem nunca ser uma “tag” para esse reconhecíveis códigos).

Essa sedução é trazida com tamanha frivolidade graças a Jennifer Lawrence, que tendo em conta aquilo que vimos em mother!, ou seja, a sua capacidade de se sujar, humilhar, submeter aos métodos dos seus realizadores, a convertem num habitual farrapo. Arrisco a afirmar que este é o papel mais trabalhado da sua carreira (mesmo que o sotaque artificial seja embaraçoso), mas provavelmente, em tempos de #metoo e de um dito puritanismo que ressurge a olhos vistos, a sua presença seja uma via para adensar Red Sparrow. Aqui, o arquétipo inicial transforma-se numa ode à “Força do Sexo Fraco”, um universo onde o ser masculino revela as suas maiores fraquezas e esclavagismos frente às “armas secretas” das mulheres.

A qualquer momento sentimos que o filme de Francis Lawrence anseia explodir do seu formalismo técnico (invejável tendo em conta as muitas produções do género) e da sua agressividade inerente, quebrando os códigos definitivamente.

Mas já sabemos o que a casa gasta. Por outras palavras, como Hollywood anda à deriva do fácil mercado. Isso torna-se numa espécie de travão para Red Sparrow, um filme mais interessante nas entrelinhas do que na sua fasquia. E tal como a natureza da sequência inicial, existem constantes oscilações: a graciosidade de um lado, a imperatividade do género do outro.