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«Holiday» por Jorge Pereira

Mais que uma demonstração de força, a violência nas relações é uma demonstração de poder, de supremacia e de domínio entre alguém que se considera superior e uma vítima fragilizada e rebaixada aos limites mais negros da sua autoestima.

Essa violência, física, psicológica ou até espiritual (no sentido de omnipresença do castrador mesmo na sua ausência física) – está muito presente nesta impressionante primeira longa-metragem da sueca Isabella Eklöf, Holiday, a qual segue Sascha (Victoria Carmen Sonne), uma mulher “troféu” intoxicada entre o mundo das vantagens de namorar com o líder de um gangue de traficantes dinamarqueses, e as consequências e o preço a pagar por esse mesmo namoro.

Analisando as vantagens, temos um status num mundo de aparências que lhe permite viver acima da média em paraísos pela Europa sem se preocupar em como ganhar dinheiro ou trabalhar. Já nas desvantagens, está o verdadeiro clima de opressão e terrorismo psicológico & físico porque tem de passar a nossa Sasha, reduzindo-se a uma marionete, um adereço/extensão do seu “macho alfa”, que para ele é tão dispensável como obrigatório.

A própria cineasta faz esse jogo de disparidades, contrastes, apresentando as suas peças num local de veraneio solarengo algures na Turquia que nos transmite calor, alegria e folia, opondo na intimidade do “lar”, interiores minimalistas montados de forma estéril, muitas vezes sem cor, brilho ou vida, um claro reflexo da relação de submissão glaciar e de passividade exasperante que tem com o seu parceiro. Curiosamente, e ao contrário da tendência geral dos filmes mais intimistas e de meditação pessoal, a cineasta opta por manter sempre a câmara afastada das suas personagens, como que colocando as figuras no centro do quadro do mundo em que estão montadas.

Eklöf reconhece que há neste Holiday traços, tiques e marcas da construção de planos e da sua montagem inspirados no trabalho de Roy Andersson e Carlos Reygadas, como a ideia [de Andersson] que cada corte “produz uma mentira“. Muitos cortes até funcionam bem no cinema de entretenimento, mas este não é o que a sueca pretende. Ao invés, e confrontando essa contenção com o desejo de mostrar prismas diferentes de observação das personagens, como Reygadas o faz, Eklöf assume uma posiçao mais ou menos intermédia, fazendo um ou dois cortes por cena, que não retiram qualquer força à obra no seu todo.

Por outro lado, Holiday funciona mais como um estudo de personagens do que propriamente um filme com um storytelling trilhado, primando antes preferencialmente pela forma desconcertante como tenta desconstruir a psique da sua protagonista, mesmo que nunca chegue a lado algum, para além do retrato constrangido, encarcerado e absorvido de uma jovem nas mãos de uma figura que a usa e abusa.

Com cenas de uma carga psicológica revoltante, onde se inclui uma de sexo (violação) explícito com elementos gráficos que certamente nos remetem a obras como Irreversível (Hej Gaspar Noé), esta fita movimenta-se dentro do terror psicológico que encontra na desumanidade e narcisismo o seu principal demónio, o grande antagonista. Inversamente, e do outro lado da moeda, encontramos alguém heróico no seu sofrimento, “uma sobrevivente”, mas vazia de emoções e derradeiramente fraca porque não aparenta conseguir tomar uma decisão, seja ela a de sair daquilo onde se enfiou, ou de pensar em alternativas à sua vida de fachada.

Claro que neste campo, do estudo mais ou menos complexo dos monstros e monstruosidades que existem dentro de nós, o Cinema tem oferecido visitas aos infernos pessoais e tempestades mentais dos indivíduos, transpondo para o grande ecrã as suas piores repressões, paranóias, melancolias e negritudes. Veja-se o trabalho de Von Trier, Seidl, Haneke, e até Ostlund. A diferença aqui é que a psique e a ação presente é apresentada através de um olhar verdadeiramente feminino, com toda a complexidade, fulgor e urgência que isso implica.

E sim, há também algo de Paul Verhoeven, em particular do seu Elle [1], mas onde este realizador encontra confrontação (interna e externa) e emancipação, Eklöf oferece subserviência e uma redução perturbante da condição humana ao fatalismo.

E nem o ecoar de Blind dos Hercules and The Love Affair (“the stars could only get brighter“), enquanto tenta ver a sua vida para lá de um espelho, numa das mais longas e contemplativas cenas do filme, desperta em Sasha um grito de revolta à alienação a que se entregou. Em vez disso, temos o retrato destroçado de um coração seviciado que aceita o seu destino.