Sexta-feira, 29 Março

«The Cloverfield Paradox» (O Paradoxo Cloverfield) por André Gonçalves

 

(esta crítica contém spoilers)

Em retrospetiva, foi totalmente lógico o terceiro capítulo do universo Cloverfield ter sido lançado de surpresa, uns dias após o trailer no Superbowl. Este era também um elemento comum aos outros dois capítulos da “saga”, para além do(s) monstro(s) entre mãos: o primeiro tinha surgido com um teaser sem qualquer título associado,  como um projeto surpresa de J.J. Abrams, realizado por Matt Reeves; uns anos mais tarde, 10 Cloverfield Lane viria apenas a revelar o seu estatuto de sequela “espiritual” do primeiro filme, uns dois meses antes do lançamento em salas, com o revelar do seu título e trailer (conta-se que só na fase de produção se tenham atado as pontas ao filme de Reeves); dois anos mais tarde, temos então este lançamento-surpresa numa plataforma de streaming (Netflix), algo relativamente inédito para o género. 

Se com os dois filmes anteriores tinhamos um motivo para ficar contentes após a campanha-surpresa, The Cloverfield Paradox e o seu lançamento inesperado salienta que a surpresa serve também para nivelar melhor as expetativas. Não tendo a Netflix cuidado para pagar boas críticas como a concorrência direta, o resultado final é infelizmente tão genérico como apontam as primeiras reações; no entanto, há que salientar alguns aspetos positivos aqui contidos.

 

Depois do found footage e da claustrofobia na terceira pessoa, chegou a vez do terror especial ganhar forma. Ora, o problema aqui é que este é um subgénero particularmente em voga nesta década, após o sucesso de filmes como Gravidade. Só no ano passado, tivemos dois filmes saídos do sub-género Alien: Alien:Covenant e Life, uma réplica de Alien melhor que a última sequela. Como ponto a favor, e se fossemos a resumir aqui a ação, poderíamos dizer que não há um monstro neste “Paradoxo”; o maior monstro em si é a realidade paralela que entra em conflito com a realidade presente na narrativa principal, graças a um acelerador que promete resolver o problema de energia na Terra.

Alternando entre a decência de Life e a pura estupidificação de Covenant, o maior problema (e a maior ironia) deste Paradoxo de Cloverfield é ele próprio ser um filme-paradoxo: hesitante sobre que filme há-de ser, no limite sendo um filme até mais cerebral (devido à diminuição ainda maior de conflitos com o monstro em questão), mas que desperdiça todo o seu aparente inteleto e vontade de fazer diferente em lugares comuns e decisões estúpidas: o comandante que decide sacrificar a sua vida, após levar dois dos seus colegas sem um grande motivo aparente; a mulher (uma excelente Guga Mbatha-Raw, a exceder-se bem acima do patamar de qualidade do filme) com um passado trágico forçada a tomar uma decisão entre o bem pessoal e o bem universal, etc. E depois temos uma decisão questionável de colocar a Terra também como espaço da ação, alternado assim com a ação da estação espacial, porque, lá está, vem aí ligação ao universo nos últimos segundos de filme, onde finalmente poderemos testemunhar O monstro. 

Resumindo: uma potencial boa sesta num filme-desperdício, que teima a cada volta em subestimar os talentos do seu elenco – onde só Mbatha-Raw sairá mais ilesa, ainda assim. 

 


André Gonçalves

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