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Djon África: rastreando pelos “fantasmas” da nossa génesis

Djon África é, em apenas um filme, o caminho inverso percorrido pelo Cinema de Pedro Costa, com Miguel Moreira, fiel colaborador da dupla João Miller Guerra e Filipa Reis, a nos servir um Ventura.

Contudo, apesar desta minha declaração, não se iludam em encontrar outros paralelos entre estes referidos cineastas. Aliás, seria preguiçoso cairmos em tais comparações como se porventura o cinema português fosse reduzido a dois, três ou quatros nomes. Mas uma coisa é certa, Djon África, a viagem de um cabo-verdiano radicado em Portugal, que parte numa busca às suas origens num país que nunca conheceu, mas que mesmo assim o vive culturalmente, é mais um registo docudrama, estilo que em Portugal sempre se soube fazer bem.

É a realidade contagiada, ou a verdade encenada, para nos impor uma dimensão osciladora por entre essas visões. Miller Guerra e Reis não são novatos nesse mesmo universo, apesar desta ser a sua primeira longa-metragem – a dupla havia germinado desde então um “ecossistema” fiável por entre a sua filmografia. Personagens salteadas, o retrato de um país marginalizado que se esconde nas sombras, a identidade que se interpela por assuntos de caracter de inserção social, elementos, esses, invocados e fantasmagorizados nesta jornada existencialista e sobretudo etnográfica (muito graças ao argumento de Pedro Pinho).

Miguel Moreira comporta-se como um ser fragmentado pela pessoa que é fora das câmaras e da personagem que veste a pele ocasionalmente, mas acima de tudo é um peão-guia para o espectador, e veículo emocional para os realizadores que trabalham tamanhos sentimentos instintivos como outra viagem para além horizonte (o ator nunca conhecera Cabo-Verde, a câmara capta essa surpresa, fascinação e experimentação).

Talvez exista em todo este caso um filme sobre “retornados” e de uma cultura transcendente, mas nem sempre transladada (como a cultura cabo-verdiana persiste em vários bairros sociais portugueses), que nos convida mas que nunca nos conforta totalmente (o espectador é sempre tido como um turista em relação a esta “apropriação cultural”); Miguel, cuja ilegalidade não o faz verdadeiramente português e o seu desconhecimento não o faz cabo-verdiano, um sem pátria recusado pelas duas margens, e que mais cedo ou mais tarde sucumbe numa existencial “prisão invisível”.

Um efeito xamânico que apodera-se da narrativa, transformando o filme, que vai perdendo gradualmente a sua vertente documental, da mesma forma que Miguel se converte integralmente numa personagem fictícia (tendo em conta o que deparamos no cinema de Pedro Costa, Cabo Verde continua a reservar os seus “fantasmas”).

Eu conheço o meu pai. Eu sou o meu pai”, a frase proclamada que define todo o rumo de Djon África, simultaneamente, a trajetória do cinema de Miller Guerra e Reis, o ensaio social que vai adquirido o seu gosto pela “farsa”, a ficção como espelho do seu cinema. Quanto ao resto … fica ao critério do espectador.