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«1:54» por André Gonçalves

Consciente em mostrar que o Canadá não é assim tanto a “terra dos livres” que os filmes (maioritariamente provenientes dos seus vizinhos norte-americanos) promovem, o cineasta Yan England decide com a sua primeira longa-metragem (depois de uma nomeação ao Oscar pela segunda curta-metragem), repisar terreno batido do bullying com contornos homofóbicos. 

À partida, de facto, tudo parece apontar para que 1:54 seja decalque de outras obras no que toca a este tema. Mas o realizador traz uma urgência e um sentido de choque sempre bem-vindos. Sim, porque ao falar de suicídio juvenil é preciso trazer as armas todas, é preciso (re)martelar pontos, é preciso marcar para a vida. 

Começamos numa aula de química a testemunhar uma experiência, que por sua vez motivará o jovem Tim a fazer uma própria com o seu melhor amigo. Estes dois, ostracizados na escola, formam o seu mundo; por isso, quando este colapsa de uma forma repentina, assinalando o final do 1º ato desta história, resta a Tim vingar-se naquilo que em tempos fez tão bem: a corrida, tentando com isso roubar o título ao maior bully da escola, e assim vingar também o seu amigo, por assim dizer. 1 minuto e 54 segundos será o tempo preciso para derrotá-lo e ir às nacionais.  

1:54 é muitos filmes num: a história de passagem à idade adulta marcada pelo coming out como elemento agregador entre um drama sobre a perda do melhor amigo, um filme de competição desportiva, e ultimamente um thriller de cortar à faca. Mesmo, lá está, cedendo aqui e ali a um lugar comum (olhe-se para a montagem de treino como exemplo principal), England mostra acima de tudo um equilíbrio notável no balanço dos três atos. É precisamente nos últimos metros, mais divisivos certamente, mas também mais moralmente soltos e audazes, que o filme definitivamente desabrocha e se implanta como memória permanente no nosso cérebro. Perante a decisão in extremis do protagonista, (excelente Antoine Olivier, ainda fresco do êxito de Mommy [1]) o ponto principal da película gera um eco ensurdecedor e tão interminável como estas agressões tão aparentemente banais hoje em dia: é preciso olhar para o cyberbulling ainda com maior seriedade que hoje se olha para o assédio. O resultado final não chega a bater qualquer recorde, mas é sem dúvida merecedor de umas palmadinhas no ombro, de um “bom trabalho”.   

1:54 passou no Queer Lisboa 2017, e está agora na plataforma Filmin Portugal. 

 

 

André Gonçalves