Poderá um apelo silencioso ser ensurdecedor? Poderá a Arte levar-nos a esse SOS sem a evidência gritante de um assumido panfleto? E a experimentação, terá lugar como recorrente decifrador de tais mensagens? A começar, é bem verdade que existe um vinculo de ativismos nas imagens trabalhadas de Gürcan Keltek, que expressa poeticamente o conflito turco-curdo, genocídios silenciosos que meio mundo ousa em ofuscar e a limpeza étnica que urgentemente chama-nos às armas. Mas é nesse experimento, de conduzir algo concretamente violento e desumano, desde as imagens arquivos até à frontalidade do seu tema, que encontramos a transformação de uma bela peça. Confusos? Meteors não ostenta um teor de histerismo, pronto a ser consumido pelas audiências conduzidas em julgamentos fáceis. Ao invés disso, é nesta “mercadoria” monocromática que encontramos um descodificar da raiz do “mal”, ou diríamos antes, da nossa natureza, violenta, negra e ao mesmo tempo bela e pacifica.

Existe uma questão sistemática aqui que facilmente condensa todo o comportamento humano, o ser social e ao mesmo tempo desassociado, o eterno sonhador do alcance divino, e provavelmente cósmico. Contudo, neste mesmo sistema, a integração encontra-se de costas voltadas com a desintegração, a luta enviesada na opressão e o agressor tão próximo da vitima, palavras-chave que desenham uma espécie de circulo invisível em constante turbilhão, a órbita que este documentário indicia em toda a sua narrativa, uma linha continua simultaneamente desconectada em seis partes. A Morte está presente neste mesmo “circulo” montado, operando como um núcleo-vetor da circunferência impregnada em imagens de arquivo e da encenação ficcional induzida num tom fabulista.

A fábula parte dos caçadores de cabras-monteses do Monte Nemrut, orquestrando a luta desigual entre homem e bicho, o primeiro esperando e espreitando como fera indomável, onde a posse de pólvora o separa do reino animal. O cabrito indefeso sucumbe então face às balas “não se sabe donde”. Estes primeiros minutos transmitem por completo o nosso status, os nossos sonhos existencialistas de chegarmos aos “aposentos dos deuses”, obter a capacidade de decidir a morte e a vida num ápice. Nesse aspeto, só a morte somos capazes de deter. Consequentemente, o espectador é levado a um bombardeio, misseis de um inimigo “invisível” que castigam severamente quem ousa estar no seu caminho. Há um paralelismo entre estas duas situações, o caçador que recusa o duelo “animalesco” com a sua presa, e a artilharia de longo-alcance que deseja desconhecer por completo as suas vitimas. Sim, queremos ser deuses à força, porém, só uma “dadiva” conhecemos. Estringindo as famosas palavras de J. Robert Oppenheimer: “I am become Death, the destroyer of worlds.

Todavia, os verdadeiros deuses observa-nos e pedem para parar, e esse sinal é nos introduzido sob a forma de uma chuva de meteoros, recebidos sob pânico pelos mortais, onde as luzes e o sonoro tanto se assemelham ao tal fogo inimigo. É nos ditos que o conflito pausou por momentos perante esses objetos cósmicos, belos encadeamentos que nos revelam simplesmente aquilo que ignoramos constantemente – somos pequenos – não na escala universal, mas mundial. O satírico poeta britânico Samuel Butler (1612 – 1680) previa esses alertas de outros mundos, a imponência que nos fragiliza, o nosso ego, principalmente, esse antropocentrismo prejudicável. Inserido no primeiro canto de Hudibras, escreveu o seguinte:

This hairy meteor did denounce

The fall of sceptres and of crowns ;

With grisly type did represent ‘

Declining age of government,

And tell with hieroglyphic spade,

Its own grave and the state’s were made.

É certo que tais visões soam longe do profético e aproximam-se da inutilidade que o rumo do conflito seguiu. Gürcan Keltek sabe perfeitamente desse ato que só enriquece esta sua visão montada.

Aliás por entre a recolha de imagens que nos exibem um povo “unido pelo barulho que faz”, que enumeram os seus contactos mortuários como prémios de uma vivência por um fio, existe uma tendência de encenar, colocar uma aproximação do espectador com o real, as memórias de um Ocidente desmoronado a assistir ao desmoronamento do Oriente. Assim, essa fenomenologia passa pelos olhos da atriz Ebru Ojen, que se insere nesta partitura da mesma forma que Emmanuelle Riva integrou o pesar de Hiroshima, no belo filme de Alain Resnais. Deste lado ouve-se: “tu nada viste sobre o Curdistão” de igual tom e sonoridade. E sim, nada vimos, nem antes, nem depois de Meteors. Todavia, foi nesta viagem que percebemos o quanto nada vimos sobre nós, a nossa real existência.