Quinta-feira, 28 Março

«Faithfull» por Aníbal Santiago

Faithfull está para o cinema como a azeitona para a ementa dos restaurantes: serve de entrada ou de acompanhamento, mas não funciona como ingrediente principal. A sua curta duração torna-o minimamente palatável, pronto a caber na grelha de programação de um canal televisivo em caso de última necessidade, mas não deixa de soar como uma oportunidade perdida, ou não estivéssemos perante um documentário sobre a marcante Marianne Faithfull. É certo que a cantora parece muitas das vezes não querer facilitar a vida à realizadora Sandrine Bonnaire, seja quando se esquiva às questões, evidência pouca disponibilidade para estar diante da câmara, ou procura encenar em demasia a sua postura. Note-se quando questiona se podem mudar de assunto quando as perguntas envolvem situações mais melindrosas ou exibe uma notória falta de vontade para falar sobre o passado.

O documentário procura acompanhar diversos momentos da vida pessoal e profissional de Marianne Faithfull, desde a ascensão ao estrelato com “As Tears Go By“, passando pelo namoro com Mick Jagger e o final da relação, o trabalho como atriz, os problemas com as drogas e o regresso à música, entre outros episódios. Para isso, Bonnaire utiliza entrevistas concedidas pela artista ao longo de diferentes períodos da sua existência, trechos de espetáculos e de filmes, algumas fotografias e fragmentos de videoclips, para além de acompanhá-la em diversas situações e entrevistá-la. Os objetivos da cineasta são ambiciosos, tal como a sua tentativa de colocar o material que utiliza em diálogo. No entanto, se dependesse do documentário não teríamos noção do impacto do trabalho de Faithfull quer como cantora, quer como atriz, nem certamente perceberíamos o quão intrincada e talentosa é esta mulher, muito menos teríamos a perceção do contexto que a rodeou e das alterações que a sua voz sofreu ao longo do tempo.

É simplesmente frustrante perceber que ganhamos muito mais em entrar na página da Wikipedia (em inglês) dedicada a Faithfull do que a ver o documentário. Tudo é exposto de forma demasiado rápida e insípida, seja a ascensão meteórica da cantora nos anos 60 (no meio da Swingin London – algo praticamente ignorado), o quão complexo e devastador foi o seu problema com as drogas, a sua ligação com o filho, o seu ocaso e o renascer da sua carreira. Percebemos a relevância de canções como a já mencionada “As Tears Go By” e de “Broken English” para a carreira da cantora, mas fica sempre a faltar algo para além do básico. Mesmo as questões que Bonnaire coloca estão longe de fugir aos lugares-comuns ou de escaparem à superficialidade, com a cineasta a não conseguir avançar de forma profunda para o interior da alma e da mente da cantora. No final, ficamos perante um amontoado de informação que nunca chega para efetuar um retrato de Faithfull que seja minimamente envolvente, complexo e relevante.

Aníbal Santiago

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