Terça-feira, 19 Março

«In the Fade» (Uma Mulher Não Chora) por Jorge Pereira

I know places we can go babe
I know places we can go babe
The high won’t fade here babe
No, the high won’t hurt here babe

Numa banda-sonora trabalhada por Josh Homme da banda Queens of the Stone Age, é ao som de I Know Places de Lykke Li que o destino de Katja (Diane Kruger) é traçado, isto no desenlace de um filme que acompanha o processo de luto e luta pela justiça (ou castigo, ou vingança) por parte de uma mulher que vê o marido e o filho serem mortos num atentado terrorista em Hamburgo, em pleno bairro onde a maioria dos habitantes têm origem turca.

Por mais filmes que faça, o germânico de ascendência turca Fatih Akin terá sempre de lidar com comparações a alguns trabalhos de elevada qualidade no início dos anos 2000, em especial de Head On – A Esposa Turca, que abriu uma trilogia (seguiu-se Do Outro Lado) e que serviu também como tábua autoral para um cineasta com qualidade demonstrada se agarrar após o desastre que representou The Cut.

Mas esquecido que está esse ensaio falhado à maldade inerente à humanidade no pós genocídio arménio, e depois de um road-movie adolescente curioso em 2016 (Tschick), Akin regressa em força (mas não no seu melhor) com o processo de luto de uma mulher que não consegue encontrar espaço neste mundo após a perda da família.

Fugindo da forma simplória à vítima ou heroína, mas antes seguindo a via do desamparo e da depressão repleta de humanidade, Kruger oferece a sua melhor interpretação no Cinema, balanceando e carregando o seu fardo e estado de espírito com uma negritude de quem foi levada para um lugar que não imaginava chegar e de alguém que viu despertar em si algo que deveria continuar dormente.

A cena inicial, filmada em modo telemóvel, põe-nos logo no caminho do casal, com o casamento civil de Nuri e Katja numa prisão. Akin usa a sua gímnica habitual, variando os processos de filmar, os meios, e o estilo, consoante o que a cena em questão pede, mostrando uma diversidade estilística que acaba por se tornar uma assinatura descomprometida e descomplexada que acompanha o estado de espírito arrasado da nossa protagonista e tudo o tem de ultrapassar, seja após a tragédia (onde não faltam discussões familiares), seja em tribunal (onde o passado do marido volta a atormentar), seja no último terço, entre a vingança e redenção.

O próprio realizador divide o filme em capítulos e admite que Katja é um alter-ego seu, uma alma “sacrificada” com conceitos muito pessoais sobre justiça e que tem pavor a ter de ser colocada neste doloroso processo de desvanecimento pessoal e da sua humanidade.

Será esse o sítio que Lykee Li fala? Será esse o local onde todas as preocupações desaparecem e nada nos pode magoar? Para Katja e Akin foi…

 


Jorge Pereira

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