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«A Taxi Driver» por Jorge Pereira

Em 1980, as filmagens do jornalista alemão Jürgen Hinzpeter, durante o levantamento de Gwangju contra o golpe militar perpetrado por Chun Doo-hwan, tornaram-se famosas e abriram os olhos do mundo para o que se passava pela Coreia do Sul. O massacre na cidade, que se estima ter ceifado a vida a mais de 600 pessoas, foi um duro golpe nos “golpistas” e este A Taxi Driver – o filme que levou mais público aos cinemas coreanos em 2016 – acompanha o processo das filmagens, mas também as aventuras de Hinzpeter e do taxista no percurso que os levou até ao local.

Ao drama de contornos históricos, o realizador Jang Hoon acrescentou uma valente dose de drama pessoal, pois se Hinzpeter sempre foi considerado um herói pela democracia coreana, a história do taxista anónimo nunca tinha sido contada.

Aqui entra em jogo a forma como se constrói um blockbuster coreano, com Kim Man-seob, o taxista, a ser trabalhado ficcionalmente como um pai economicamente desesperado para educar a sua filha de 11 anos sozinho, isto porque a mãe faleceu. A este chamariz emocional é adicionada uma boa dose de humor, a figura de anti-herói meio pateta de um homem que não faz a minima ideia do que se passa no seu país, e cuja única função na vida parece ser angariar dinheiro para dar uma boa vida a filha.

Para esse papel foi escolhido Song Kang-ho, ator que durante a sua vida tem marcado presença em filmes dos cineastas coreanos mais famosos, como Park Chan-Wook (Joint Security Area; Sympathy for Mr. Vengeance; Thirst) ou Bong Joon-ho (Memories of A Murder; Snowpiercer), e que tem a simpática marca de protagonizar 3 filmes que conseguiram mais de 10 milhões de espectadores no território (para além de Taxi Driver, conta-se ainda The Host e The Attorney). A estes junte-se ainda outros sucessos locais, como The President’s Barber, The Face Reader ou The Age of Shadows, obras que o transformaram num dos atores mais apeteciveis do país.

O resto do filme é o que se espera, um misto de obrigações familiares com responsabilidades éticas e políticas com os seus concidadãos, com o poder da injustiça sempre em grande foco e os pequenos heróis que passam ao lado da história a terem a luz da ribalta.

Jang Hoon – assistente de realização em alguns dos filmes mais carismáticos de Kim Ki-duk  – mostra ter a lição bem estudada para entregar ao público uma obra comercial que puxa ao coração de todos os que viveram a época, mas também a todos os outros que facilmente vão criar empatia com este pai extremoso que ganha uma consciência política e social do que está a acontecer à sua volta. O mesmo também se passa com o jornalista, que inicialmente tem mais a grande ambição em contar a história (e fazer dinheiro com isso) do que propriamente ser considerado um bom samaritano ou um herói da profissão. A evolução do duo a nível pessoal, à medida que a violência aumenta, é um dos pontos marcantes de uma obra que conta com prestações bem conseguidas dos protagonistas, capazes de se movimentarem na sua plenitude entre o humor, a tensão, o drama e, inevitavelmente, a lição de História.

Dito isto, A Taxi driver é assim um filme que apesar de nunca brilhar na sua forma de Cinema per se, e de percorrer um universo de lugares comuns bem formatados para triunfar no box-office sul coreano, tem a força e destreza de cativar o espectador para além da fita chorosa, afastando-se ainda da ambição cega em ser um épico sobre o tema.


Jorge Pereira