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«Ferdinand» (Ferdinando) por Jorge Pereira

Escrito num domingo chuvoso, em outubro de 1935, por Munro Leaf, e ilustrado pelo seu amigo Robert Lawson, a história de um touro chamado Ferdinando que recusa a violência e prefere cheirar as flores, foi vista na sua época como um conto subversivo, alvo das mais variadas censuras.

Editado de forma modesta em 1936, em plena Grande Depressão, e com o autor a afirmar por diversas vezes que não havia nenhuma mensagem política subjacente, a narrativa que apresentava uma personagem espanhola à margem da sociedade que se recusava a lutar, foi encarada pelo General Franco – pai da Guerra Civil Espanhola – como propaganda pacifista e por Hitler como uma forma degenerada de vender a democracia e a individualidade.

Se na Europa se caminhava a passos largos para o Fascismo, nos EUA o livro ilustrado virou curta-metragem de animação que venceria o Óscar em 1938, alicerçando a Disney como a potência no género e “rainha” do antropoformismo cinematográfico.

Acaba por ser curioso que quase 80 anos depois, este filme da Blue Sky – casa de animação familiar da Fox – chegue às salas uma semana depois da Disney comprar a 20th Century Fox, regressando assim Ferdinand à primeira casa que conheceu no Cinema.

Quanto ao resultado final deste regresso ao grande ecrã, e apesar da sua ligeireza, simplicidade e algum charme, há que dizer que Ferdinando fica aquém das expetativas. Isto porque o estúdio que já nos deu sagas como Idade do Gelo e Rio parece não ter aplicado muita criatividade na construção do guião, acrescentando temas modernos como o bullying e a crueldade dos matadouros e da tourada sem grande capacidade e destreza para sair das amarras dos lugares comuns e das emoções primárias. Para piorar, há uma carência enorme de personagens secundárias marcantes (uma cabra e uns ouriços não chegam a deixar marca) e de um humor acutilante que conquiste a audiência mais adulta que é arrastada pelos filhos para as salas na época natalícia.

E até visualmente, embora se denote uma carinhosa homenagem à curta de 1938 (no traço especialmente do “Matador”), o filme é pouco fascinante e consistente, representando para o realizador Carlos Saldanha um trabalho pouco memorável para além da mensagem que já o livro de 1936 detinha.

Se for como a Deadline dizia, que Ferdinando teria de mostrar a força do seu estúdio de animação no novo Universo Disney, então as coisas estão mal amparadas. Para quem tinha de mostrar o seu valor numa nova casa, onde para além da tradicional Disney temos ainda a Pixar, a Blue Sky revelou-se como um dos touros que faz companhia a Ferdinand na quinta: iludido e demasiado confiante em relação ao futuro.


Jorge Pereira