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«O Fim da Inocência» por André Gonçalves

Uma das peças mais irritantes que testemunhei no daytime TV foi precisamente, quando num canal privado, um dito psicólogo da praça se propôs a ir ver o que os adolescentes andavam a fazer “na noite”. 

O Fim da Inocência não será exatamente tão gratuito e simplista quanto esse pedaço de antena, mas esperava-se melhor de um realizador que, em tempos, se tornou umas das vozes mais curiosas do panorama pós-moderno do cinema português – precisamente por ter feito uma ponte rara entre o sucesso do público sem desprezar uma vertente de crítica social a essa mesma audiência. 

Em boa verdade, desde que parou de assinar os seus próprios argumentos, e começou a aceitar encomendas (i.e. adaptações de bestsellers nacionais), que houve um desaparecimento da personalidade mais crítica que poderíamos atribuir a Leitão. Se em Sei Lá, adaptação do romance de Margarida Rebelo Pinto, poderíamos atribuir a culpa, ou desculparmos a produção por querer aparecer num tempo que já não existe, aqui já não há esse tipo de subterfúgios – temporais, pelo menos. O Fim da Inocência é um filme cobarde, sim – ao usar um moralismo puritano mais escandaloso que qualquer cena “polémica” ou “escaldante” que possa dizer ter para chamar espectadores, instruindo constantemente o seu público com um mapa em como reagir, não confiando nele, e perdendo consequentemente toda a sua confiança. 

E é, mais que um mero mau filme, uma oportunidade perdida. Numa típica capa aos pais que poderia ter a gorda: “vejam o que os vossos filhos andam a fazer quando não estão a ver”, o que temos é um desfile de personagens bidimensionais, não tão distantes ironicamente, como as caras que as poderão interpretar, desfilando para as revistas da moda. Mas é um desfile que, pese uma péssima narração (rivalizando aqui com o já mencionado Sei Lá) e restrições de copyright risíveis (Cinder, disseram?), revela por sua vez uma empacotagem minimamente sólida e bem apertada para estes tempos pós-morangados – aqui méritos restantes ao realizador “anónimo”, que ainda assim sabe como reter a nossa atenção até final, no meio de tanta superficialidade. 

Para ter um pequeno vislumbre do que poderia ter sido esta história que trata O Fim da Inocência (filme, se não o livro que o deu origem com o subtítulo “Diário Secreto de uma Adolescente Portuguesa” – não o li, não o pretendo julgar por isso), o espectador tem na mesma semana Verão Danado de Pedro Cabeleira, feito para todos, sem restrições explícitas de epilepsia, e os tiques/truques de história verídica aqui também presentes. 

 

André Gonçalves