Terça-feira, 19 Março

«Coco» por André Gonçalves

 

A Pixar vive! É o grito do mariachi que apetece dar após o visionamento de Coco, a mais recente oferta do “filho” da Disney, por uns tempos incontestável na sua qualidade, até virem as sequelas de filmes que já nem eram os melhores do lote… 

Pois muito bem: chamemos a esta mais recente obra de Lee Unkrich (o mesmo que realizou a façanha de nos dar o capítulo mais emocionalmente profundo de Toy Story, à terceira iteração), inspirada pela cultura mexicana, finalmente colocando esta minoria no centro de uma narrativa, uma sequela espiritual de Inside Out – por sinal, o último grande filme do estúdio antes deste. Das memórias fabricadas pelos vivos, estamos agora prontos a atravessar a mágica ponte de folhas para o mundo dos mortos, para testemunhar como a memória dos vivos os afetam.

Estamos no Dia dos Mortos, um feriado com uma forte carga simbólica para esta cultura – trata-se afinal do dia em que os antepassados voltam para nos visitar. Miguel é um pequeno rapaz aspirante a músico, contra a vontade de toda a sua família – dado que o seu tetravô abandonou a sua mulher e filha para seguir o seu sonho. Mas Miguel decide seguir o seu sonho, que o leva a roubar a guitarra do seu falecido antecessor – e com este furto, dá-se então o momento mágico em que Miguel atravessa então sem querer o Mundo dos Mortos.  

E é precisamente aí que a obra, ameaçando cair ao longo do seu primeiro ato numa convencionalidade minimamente respeitável (tirando um breve prólogo imaginativo), faz um inverso de algumas das obras mais conhecidas do estúdio, que começavam melhor do que acabavam (nomeadamente os incontestáveis Up e Wall-E), e abre o seu mundo aos nossos olhos e coração, expondo os seus temas com um negrume e comicidade particularmente inspiradas – inspirado certamente por Tim Burton (The Nightmare Before Christmas, seu antecessor digno). O design de produção – e sim, lá por estarmos num filme animado, não significa que não tenhamos “sets” – é exímio, e depois há a música mariachi, capaz de contagiar até a música de apresentação da Disney nos primeiros segundos: inicialmente achamos tudo um pouco pitoresco, mas o filme consegue eventualmente desconcertar-nos, remexer os nossos ossos, chegar à alma, aquela que no fundo é mantida pela memória coletiva viva – e aos canais lacrimais, sim.

Claro, teremos sempre velhos do Restelo anticapitalistas a chamar a atenção ao mercantilismo Disney presente aqui: afinal de contas, um filme mexicano falado quase sempre em inglês para começar? Esperemos que alguém se lembre deles tão bem como nos iremos lembrar deste filme. 

 

André Gonçalves

 

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