Terça-feira, 19 Março

«Rodin» por Hugo Gomes

O maior de todos os críticos de arte, é incontestavelmente o tempo, e é graças à sua apreciação que muitas das criações do escultor August Rodin foram consagradas até aos dias de hoje. Inevitavelmente, a figura por detrás do Pensador e da estátua de Balzac, serve de ensaio para uma cinebiografia encomendada, e para lugar de “tarefeiro” surge-nos um dos nomes mais subvalorizados do cinema francês, o veterano Jacques Doillon (Ponette, Le Petit Criminel), e como encarnação do artista, Vincent Lindon em mais uma fusão de homem à deriva.

À deriva nos sentimos desde os primeiros planos em que deambulamos no atelier de Rodin, com o ator a dar graças por este desempenho carrancudo e de sedução frívola. Tal como o ofício, Rodin (filme) vai-se construindo desde passos deliciados e cuidadosos até a arranques grosseiros e pesarosos, há uma essência de distorção da arte de esculpir, com a paciência mas sem a devida dedicação à criação que nasce perante os sonhos do Homem. Como biografia, Rodin é derrocada, emancipada do seu espectador, que poderá indiciar um tom de autodidatismo quase pedante. Esquecemo-nos da sua jornada e a História é citada como aquário de vida artificial. Até mesmo quando se é inserido um conflito em toda esta veia, desde a “rivalidade” com a sua paixão e igualmente escultora Camille Claudel (mais talentosa do que aquilo que o filme pressupõe), até à obsessão balzaquiana que vai auferindo uma certa instigação “truffautiana”, obviamente, endurecida como uma sugestão e não um vínculo avante.

Por entre ateliers, outdoors, mansões e noites de prazer, Rodin esbarra no vazio da sua própria demagogia. No final da sessão de apresentação à imprensa no Festival de Cannes, alguém grita de pulmões plenos, dirigindo aos créditos finais e de certa forma, se dirigindo ao Mundo: “que cinema mais velho!”. Mais do que isso, mais do que essa impressão em frente aos velhos do Restelo, Rodin é cinema obsoleto, quieto no seu tempo, sem a mínima noção de criação. O tempo, como crítico, nos dirá se a obra de Jacques Doillon será um dos persistentes, mas as apostas deste lado apontam para uma resposta negativa. 

Hugo Gomes

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