Sexta-feira, 19 Abril

«Todos os Sonhos do Mundo» por Jorge Pereira

Vinte e quatro anos depois da sua primeira longa-metragem, As Pessoas Normais Não Têm Nada de Especial, a francesa de origem portuguesa Laurence Ferreira Barbosa transforma as raízes lusas no tema central de um filme seu, isto enquanto traça uma nova incursão pela adolescência e os meandros da identidade, magistralmente acompanhada por uma delicada, contida, mas resplandecente Pamela Constantino Ramos, capaz de mostrar que as dores da idade podem advir do jogo de nacionalidades dos imigrantes de 2ª geração, como também de todo um outro conjunto de situações inerentes aos jovens.

E para isso Ferreira nem precisou criar uma personagem insurreta que vira as costas aos pais para se afirmar. Bastou expor uma inadaptada com personalidade vincada (independente, mas respeitadora), com referências longe dos dois países a que está ligada (posters de filmes de Wes Craven, t-shirts de Nirvana e Linkin Park), incapaz de completar os estudos (já chumbou duas vezes), de tirar a carta de condução, de manter amizades, de assumir um namorado, mas com outros prazeres e desejos reprimidos prestes a florear.

Se é verdade que Ferreira Barbosa começa bem o seu filme no esquisso do desajustamento familiar e dos conflitos de identidade, quando chegamos a Portugal tudo parece entrar no campo de uma fórmula com níveis elevados de previsibilidade na chegada dos nossos emigrantes. Os conflitos entre as gerações amontoam-se e inevitavelmente também surgem os clichés, embora aqui – devido à candura do guião – estes não soem a estereótipos de fanfarra ou dramalhão, mas as verdades comportamentais repetitivas, sejam das gerações mais velhas que fazem percursos maiores na chegada à aldeia para mostrar o novo carro, ou que lançam um «Oh Putain! Que merda é esta» quando percebem que fizeram uma sede bancária mesmo à frente da sua casa; ou sejam dos mais novos, que mandam piadas entre si repletas de lugares-comuns (Lá porque somos francesas, não somos mais fáceis).

Curiosamente, os emigrantes e os que ficaram na «terrinha», novos e velhos, misturam-se todos numa espécie de campo de férias onde não falta o trabalho agrícola, o convívio, e alguns debates mais acesos, mas nada neste ponto sai fora da súmula repetitória, e onde ainda se desperdiça um aprofundar de algumas personagens, como a aparentemente senil avó de Pamela.

Se associarmos isto aos caminhos trilhados pela relação entre os pais e a jovem, que a certo ponto perdem fulgor, nem o último terço – onde falta uma ponta de loucura mas sobra autenticidade – consegue salvar um filme de um tom demasiado morno, mas ainda assim em alguns momentos irreverentes e extremamente belos, como aquele em que Pamela vislumbra um intenso fogo de artifício, como que marcando o ponto da sua emancipação e início da descoberta.


Jorge Pereira

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