Quinta-feira, 28 Março

«Napalm» por Aníbal Santiago

A história de um ‘encontro breve’, em 1958, entre um membro francês da primeira delegação da Europa Ocidental oficialmente convidada para a Coreia do Norte, após a devastadora Guerra da Coreia, e uma enfermeira do hospital da Cruz Vermelha em Pyongyang“.

É esta a sinopse de Napalm no site do Doclisboa, onde integra a secção “Da Terra à Lua”. O melhor que se pode dizer é que é um documentário sobre a memória e as recordações de Claude Lanzmann sobre esse encontro (é ele o francês da sinopse), com o cineasta a expor de forma bastante descritiva e pessoal os acontecimentos que conduziram à sua entrada na Coreia do Norte e ao seu “breve encontro” com a enfermeira Kim Kun-sun. A espaços esse longo monólogo também permite explanar levemente alguns traços do contexto político, social e cultural da época, embora não escamoteie que estamos diante do resultado de um trabalho efetuado de forma bastante convencional, preguiçosa e indulgente.

Boa parte do documentário resume-se a close-ups da face do cineasta, por vezes intercalados por algumas imagens de arquivo, enquanto este recorda o passado, quase sempre no mesmo tom de voz, com o foco a estar maioritariamente centrado na sua pessoa e na enfermeira que conheceu na Coreia do Norte. Nem chega a ser um exemplo de um caso particular que serve para abordar algo mais lato, já que quando se embrenha pelo romance, quase tudo o resto parece acessório para o cineasta, algo que sabota os primeiros trinta minutos relativamente recomendáveis do filme. Note-se quando encontramos Lanzmann e a sua equipa a filmarem às escondidas na Coreia do Norte, em 2015, na sua terceira visita ao território, efetuada para desenvolver o documentário, com a câmara a movimentar-se de forma desengonçada e o som a ser captado com alguma dificuldade. Esses trechos, intercalados com imagens de arquivo e fotografias, permitem efetuar um diálogo entre o presente e o passado deste território, com as marcas da Guerra da Coreia a poderem ter sido apagadas do “corpo” desta nação, embora ainda permaneçam na sua alma.

Monumental e vazia“, é assim que o realizador descreve o Pyongyang, enquanto deambula pela cidade, expõe as estátuas dedicadas a Kim Il-sung e Kim Jong-il, visita o museu de guerra, entre outros espaços. Tudo é exposto com respeito e um olhar crítico, pronto a evitar cair em extremismos ou estereótipos, com realizador a exibir um certo apreço por esta nação e os seus habitantes. Forma-se um diálogo entre o presente e o passado, com essa comunicação entre estes dois tempos distintos a ser reforçada mais tarde pela presença de Lanzmann na ponte onde se encontrara com Kun-sun. A enfermeira não sabia falar francês, nem inglês, enquanto o seu interlocutor não conhecia a língua coreana. Os sentimentos são universais e entre estes dois elementos gerou-se uma certa atração que é exposta de forma imensamente detalhada e particular pelo realizador, seja as visitas desta para aplicar as injeções, ou um passeio num barco a remos. Percebemos que Lanzmann amou esta mulher, que a desejou e formou em pouco tempo algo de forte com a mesma, embora nunca consigamos formar esses laços com Napalm.

O realizador utiliza o cinema para contar algo privado, uma história que marcou a sua vida. Terá essa história assim tanto interesse ao ponto de merecer um documentário a rondar uma hora e quarenta minutos de duração? O cineasta pensa que sim, embora teime em não fugir à ideia de que estamos diante de alguém que quer pura e simplesmente que ouçamos as peripécias de um romance efémero que iniciou num país estrangeiro. Essa situação é particularmente visível quando começa a elogiar os pés da sua amada, ou salienta a tentação que teve de a levar para a cama, enquanto a espaços pensamos que o subtítulo “História de um Engate” encaixava na perfeição neste documentário. Claro que o contexto é bastante rico, que o cineasta afasta-se dos lugares-comuns e dos estereótipos caricaturais que são muitas das vezes colocados a este país e ao seu povo, mas isso não chega para elevar Napalm e conseguir que o documentário deixe marca.


Aníbal Santiago

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