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«Tour de France» por Aníbal Santiago

Tour de France tem na interação entre a dupla de protagonistas o seu melhor atributo. De um lado temos Gérard Depardieu, tanto capaz de explanar o lado rude e conservador de Serge como de evidenciar a faceta sensível e comovente deste viúvo esquecido pela sociedade. Do outro temos Sadek como Far’Hook, um rapper inteligente, islamita, algo tímido e pacífico, que defende os seus valores e construiu uma imagem misteriosa em redor da sua figura. Este foi ameaçado de morte por um grupo rival, algo que o leva a sair temporariamente de Paris enquanto aguarda que a situação acalme e chegue o dia do seu primeiro grande concerto. Bilal, o produtor do músico, aproveita a ocasião para pedir-lhe que acompanhe Serge, o seu progenitor, com quem mantém uma relação afastada, numa viagem pelos caminhos do pintor Joseph Vernet.

Estão estabelecidas as bases para Tour de France assumir a sua faceta de filme sobre uma amizade improvável e de choque de gerações e culturas, ainda que mesclado com ingredientes de drama familiar e road movie pontuado por comentários de foro social. Nem sempre tudo resulta, seja a incapacidade do filme desenvolver as suas temáticas de forma complexa, ou a dificuldade de se soltar dos lugares-comuns e dos grilhões da previsibilidade, ou os momentos videoclipe e os trechos filmados com o telemóvel, embora seja praticamente impossível negar as boas intenções do realizador Rachid Djaïdani. Estas são visíveis nas mensagens de tolerância, bem como na abordagem de temáticas relevantes que estão na ordem do dia, tais como a xenofobia (quer aquela que é exibida de forma direta, quer a que aparece disfarçada de comentários aparentemente banais), a intolerância e a solidão, ainda que tudo seja desenvolvido de forma demasiado simplista, algo que retira força aos comentários.

Não quer dizer que Tour de France seja desprovido de momentos bem conseguidos. Observe-se o episódio em que Far’Hook é parado de forma violenta por polícias. É um trecho emotivo, no qual ficamos diante de uma demonstração de intolerância, enquanto Serge aproveita para exibir a sua humanidade e a sua faceta de casmurro de bom coração, com Depardieu a transmitir que existe algo de forte que começa a unir o personagem que interpreta e o rapper. O ator franco-russo é a alma do filme. A sua presença é imponente, incapaz de despertar indiferença, enquanto o seu carisma transcende alguma da banalidade dos episódios que protagoniza, com o intérprete a conseguir transformar a linha de diálogo mais simples em algo dotado de sentimento. A sensibilidade é conjugada com a aspereza e a indelicadeza, com o intérprete a tanto conseguir despertar um sorriso como comoção, ou indignação, enquanto concede alma a este veterano solitário.

Serge e Far’Hook contam com personalidades e gostos distintos, com a dinâmica entre ambos a funcionar tanto quando entram em choque e proporcionam situações mais leves ou recheadas de carga dramática, como nos episódios em que expõem as suas facetas mais frágeis e dotadas de sensibilidade. Far’Hook nem sempre convive bem com os comentários jocosos, intolerantes e conservadores de Serge, embora este último comece a mudar gradualmente de atitude, com os choques entre ambos a contribuírem para que aprendam algo e o filme se embrenhe por caminhos previsíveis. Sadek, um rapper na vida real, cumpre como este cantor que passa boa parte do seu tempo a filmar (excessivamente!!!) aquilo que o rodeia, com o personagem a permitir explanar quer uma contra-cultura, quer a intolerância anti-islâmica. As temáticas relacionadas com estes assuntos estão longe de serem abordadas com profundidade, bem como aquelas que envolvem o choque de gerações, ou as quezílias entre grupos rivais, ou a relação problemática entre Serge e o filho, ou a pintura.

As pinturas de Vernet surgem praticamente como uma desculpa para colocar os protagonistas a circularem pelo território, com os contrastes e permanências entre o passado pintado e o presente vivido a nem sempre serem aproveitados, embora seja de elogiar a tentativa de Djaïdani efetuar uma pequena amostra das diferentes culturas que se encontram inseridas no interior da França e enriquecem esta Nação. Tour de France não é um filme sofrível ou que se esquece rapidamente, embora esteja longe de atingir o poder das mensagens que transmite e das temáticas que aborda.

Aníbal Santiago