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«Once Upon Time in Venice» (Era Uma Vez em Los Angeles) por Aníbal Santiago

Muitas das vezes escrevemos que um ator entrou num filme “para o cheque”. Nada contra o facto de um intérprete querer encher os bolsos. O problema é quando temos de ver o resultado desse trabalho. “Once Upon a Time in Venice” é um desses filmes em que quase todos os elementos do elenco transmitem a ideia de que apenas estão a trabalhar com essa finalidade. Bruce Willis até parece estar a divertir-se imenso a interpretar uma caricatura de si próprio, tal como Jason Momoa, mas esse sentimento está longe de se refletir nas nossas pessoas. Diga-se que o filme reflete paradigmaticamente a fase menos fulgurante da carreira de Willis: feito maioritariamente para o mercado de VOD; realizado por um cineasta medíocre ou que não tem poder para controlar a vedeta (uma opção não exclui a outra); pontuado por um argumento vulgar e personagens desprovidos de complexidade.

O realizador que não consegue domar a vedeta é Mark Cullen, um cineasta que se revela incapaz de elevar “Once Upon a Time in Venice” acima da mediocridade. Talvez o adjetivo seja demasiado severo, ou não estivéssemos acima de tudo perante um filme preguiçoso, que vive à sombra dos sucessos do passado de Willis e parece uma desculpa para uma parte considerável do elenco desfrutar de umas férias remuneradas. O ator interpreta Steve, um detetive privado relativamente despreocupado e incompetente, que apenas exibe alguma perspicácia quando a duração do filme já vai longa. Este habita e trabalha em Venice Beach, um local dotado de contrastes, praias, belas mulheres e calor, que nos é inicialmente apresentado por John (Thomas Middleditch), o assistente do protagonista e narrador de serviço (a narração em off é utilizada de forma pouco pragmática).

Middleditch é o único integrante do elenco que tem espaço para dar um ar da sua graça. O ator exibe algum do seu talento para o humor e transmite o tom simultaneamente atrapalhado e prestável de John, enquanto este trabalha em diversas investigações, quase sempre sem a companhia do protagonista. Essa separação parece acima de tudo recurso para evitar que Middleditch roube o destaque a Willis, com o ego da estrela dos anos 80 a sobrepor-se a tudo o resto. É certo que esta decisão permite dar mais espaço a Middleditch, apesar de também contribuir para tirar ainda mais o foco a um enredo invariavelmente caótico. Percebe-se a ideia de criar algo com uma estrutura caótica, dotada de investigações intrincadas e personagens pouco confiáveis, um pouco a fazer recordar alguns filmes noir, embora boa parte das tramas e subtramas estejam longe de despertar interesse, tal como as pífias cenas de ação e a miríade de personagens que nos são apresentados.

Famke Janssen parece estar no elenco para decorar ou por ter perdido uma aposta, com a atriz a interpretar a irmã de Steve, enquanto John Goodman surge em piloto automático a dar vida a uma antiga “estrela” de surf que se encontra em crise. Temos ainda Jason Momoa como Spyder, um traficante musculado, de gestos caricaturais e pouca densidade psicológica, bem como Adam Goldberg como Lew “the Jew“, um dos vários personagens que condimentam o chorrilho de estereótipos e lugares-comuns que constam no interior de “Once Upon a Time in Venice“. Note-se ainda Jessica Gomes como Nola, uma personagem que tem na beleza e na capacidade de fornicar os protagonistas os maiores traços da sua personalidade.

Para o melhor e o pior, o destaque natural do filme acaba por ser Bruce Willis a interpretar o seu personagem-tipo. Steve dispara falas sardónicas, exibe uma enorme descontração, enquanto protagoniza uma série de situações peculiares, sobretudo quando Spyder rouba o seu cão. Ao longo do filme, ele envolve-se com traficantes, agiotas e outros criminosos, leva pancada (de forma “mágica” raramente fica com um arranhão), enquanto tenta descobrir a identidade de um pichador, resgatar o seu animal de estimação, recuperar um carregamento de heroína, entre outros episódios que pontuam este enredo desengonçado. As situações rocambolescas acumulam-se, tal como as tentativas de “Once Upon a Time in Venice” mostrar que tem piada. Pena é que nunca ganhe vida.

Aníbal Santiago