Terça-feira, 19 Março

«As You Are» por André Gonçalves

Come as you are, as you were, as I want you to be” – assim cantava Kurt Cobain, o ícone dos Nirvana que morreu aos 27 anos deixando uma geração de adolescentes e jovens adultos numa sensação de orfandade. É também a grande ligação (o fandom pelo grunge e a morte trágica de Kurt Cobain) que “As You Are” tem para nos colocar num outro período temporal. Estamos então nos Estados Unidos da primeira metade da década de 90, onde dois filhos de pais solteiros se juntam quando os seus pais se juntam. Pelo meio há uma rapariga como amor de conveniência partilhado, numa história de um homoerotismo mal resolvido. 

Descobrimos logo na primeira cena que vamos estar a assistir no tempo passado a este passado. O filme abre assim com um inquérito aos personagens principais, fazendo adivinhar uma tragédia final iminente – de uma maneira que vimos, ainda recentemente, na mini-série “Big Little Lies”, por exemplo. O que é narrado é então flashback. Nada de novo aqui: este dispositivo foi testado já vezes sem conta com sucesso, e se funciona, funciona, certo? 

A raiva do grunge revela um motivo para o filme também soar enraivecido. Mas é uma raiva que se revela completamente forçada. É que “As You Are”, de Miles Joris-Peyrafitte, tem claramente uma agenda, para além do “retrato de época” (que passaria despercebido, não fossem as tais referências musicais). É um “vamos falar sobre armas” de uma maneira atabalhoada (os defensores poderão dizer “grungey“) que infelizmente não faz jus à intenção genuína, e minimiza assim o impacto de um debate consciente sobre o tema – acabamos por debater mais à saída sobre o que o filme poderia (e deveria) ter sido.

Lembramo-nos do incontornável “Elephant” de Gus Van Sant, cineasta que curiosamente também andou à procura dos últimos dias de Kurt Cobain (“Last Days”). Não é uma lembrança que ajude definitivamente esta primeira obra, que infelizmente, e ao contrário de muitas aqui presentes na edição do Queer, demonstra sinais de principiante bastante óbvios – que incluem, para além do que foi dito acima, um plano ou outro bonito sem um propósito muito específico, e um final propositadamente ambíguo que gera mais um encolher de ombros que um abrir de boca.  

André Gonçalves

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