Terça-feira, 19 Março

«Home Again» (Uma Casa Cheia) por Aníbal Santiago

Uma quarentona em crise, que se separou recentemente, recebe em casa três indivíduos mais jovens. Esta poderia ser a premissa de um filme pornográfico, de uma sitcom ou de uma comédia romântica. É a premissa de “Home Again”, que não está em exibição no PornHub ou em sites do género, mas sim nas salas de cinema. Diga-se que “Home Again” não é um filme pornográfico, mas os seus diálogos e o seu argumento são maus ao ponto de parecerem perfeitos para uma obra de um género que outrora figurava nos cantos recônditos dos clubes de vídeo. Por sua vez, a primeira longa-metragem realizada por Hallie Meyers-Shyer (a filha de Nancy Meyers) teria de constar numa secção dedicada aos desastres colossais.

Os diálogos são exasperantes, os personagens contam com a densidade de uma folha de papel, as situações de maior tensão raramente são sentidas ou desenvolvidas, os dilemas da protagonista são expostos de forma simplista e a banda sonora parece ter saído de um template que serve para qualquer comédia romântica. Junte-se uma miríade de momentos de humor que provocam mais bocejos do que risos e tudo piora. É tudo demasiado insípido e pouco genuíno, com Meyers-Shyer a realizar um mau filme de Nancy Meyers. Já Reese Witherspoon prova que gosta de dar uns quantos passos atrás na carreira, com a atriz a voltar a estampar-se ao comprido numa comédia. Ela dá vida a Alice, uma mulher que se mudou com as jovens Isabel (Lola Flanery) e Rosie (Eden Grace Redfield), as suas filhas, para Los Angeles, tendo em vista a afastar-se temporariamente de Austen (Michael Sheen), o seu marido.

Alice habita na casa do falecido pai, um cineasta famoso, tendo de decidir se avança com o divórcio ou recupera a relação com o esposo, enquanto tenta um novo rumo profissional. Na noite da sua festa de quarenta anos, ela conhece Harry (Pico Alexander), um aspirante a realizador que foi recentemente despejado, juntamente com Teddy (Nat Wolff) e George (Jon Rudnitsky), dois amigos. George pretende vingar como argumentista, enquanto Teddy quer trabalhar como ator. O trio acaba por se instalar temporariamente na casa de Alice, um espaço dotado de enormes luxos. Como é que alguém aceita que três estranhos, que conhecera na noite anterior, habitem em sua casa e convivam com as duas filhas sem questionar seriamente essa situação? Meyers-Shyer evita abordar qualquer temática com complexidade ou credibilidade, seja a presença de três indivíduos na casa da protagonista ou os dilemas desta mulher. 

Quase tudo gira em volta dos problemas de Alice. Nada contra essa situação. O problema é que ela e os seus dilemas despertam um enorme desinteresse, tal como os elementos que rodeiam a protagonista. Note-se o caso de Harry, com Pico Alexander a brindar-nos com uma interpretação dotada de falta de inspiração e de carisma. Diga-se que Harry envolve-se com Alice, pelo menos até Austen aparecer em cena e desorganizar as contas. Também Michael Sheen não tem espaço para sobressair, com os integrantes do elenco a serem prejudicados pelo péssimo argumento e pela incapacidade de Meyers-Shyer para desenvolver as dinâmicas entre os personagens e as temáticas que atira para o interior do enredo. Pelo caminho, “Home Again” apresenta ainda um ou outro comentário sobre Hollywood e a ingerência dos produtores, algo que certamente não deve ter acontecido no desenvolvimento do filme ou a cineasta não contasse com a mãe neste cargo.

Como diz a música, “Always Look on the Bright Side of Life“. Por isso, podemos encarar “Home Again” através de outro prisma, nomeadamente, o facto de ser um hino à igualdade de género. Se o filho de John Landis pode escrever argumentos risíveis como o de “American Ultra”, também a filha de Nancy Meyers tem o direito de realizar um filme sofrível e exasperante como “Home Again”.

Aníbal Santiago

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