Terça-feira, 19 Março

«Kingsman: The Golden Circle» (Kingsman: O Círculo Dourado) por Aníbal Santiago

Existe algo de extremamente apelativo em “Kingsman: The Golden Circle”, seja a sua capacidade de manter o tom irreverente, enérgico, saudavelmente demente e politicamente incorreto do primeiro filme, ou as coreografias de excelência das cenas de ação e o cuidado colocado no design de produção ou as dinâmicas entre Taron Egerton e Colin Firth. É uma sequela que sabe aquilo que quer, ou seja, manter a alma do filme original, desenvolver os personagens apresentados em “Kingsman: The Secret Service” e colocá-los em situações novas, sempre com algumas doses de insolência e extravagância. Matthew Vaughn assume sem qualquer ponta de vergonha e com imenso descaramento que estamos diante de um filme de espionagem que simultaneamente utiliza e subverte as convenções do género, com o cineasta a conseguir balancear com um acerto notável o lado mais leve de “Kingsman: The Golden Circle” com a sua faceta mais séria e dramática.

A destruição das bases da Kingsman e a aniquilação de uma boa parte dos seus operativos aparecem como um meio para Matthew Vaughn colocar Eggsy (Taron Egerton) e Merlin (Mark Strong) a deslocarem-se até aos EUA, tendo em vista a contactarem com a Statesman, a versão americana da agência de espionagem. Se a agência britânica tem uma alfaiataria de fachada e os seus integrantes assumem uma faceta de gentlemen, já os agentes yankees contam com uma postura de cowboys e têm no álcool e no whisky um negócio que aquece, e muito, o espírito. As adições são de luxo, com Jeff Bridges, Channing Tatum, Halle Berry e Pedro Pascal a darem vida e personalidade aos peculiares agentes da Statesman. Do lado dos antagonistas temos Poppy, a líder do Golden Circle, com Julianne Moore a inserir um estilo desequilibrado, mortífero, deliciosamente negro e caricatural a esta traficante que pretende que o seu negócio seja legalizado e coloca a humanidade em risco, em particular, aqueles que consomem drogas.

O “quartel-general” de Poppy reflete o cuidado colocado na decoração dos cenários e a criatividade de todos os envolvidos. A Poppy Land parece ter saído diretamente de “Grease” e de filmes do género, com as cores garridas e o visual “à anos 80” a marcarem os diversos estabelecimentos deste local pontuado por alguma tecnologia de ponta (seja uma picadora de carne humana, ou cães-robô prontos a atacar) e um espaço onde Sir Elton John está aprisionado. Diga-se que a presença do cantor adensa a irreverência e excentricidade do filme, com o artista a protagonizar alguns momentos memoráveis, seja a praguejar, a cantar, à pancada, a amansar cães-robô, ou a desfrutar de interpretar uma versão exagerada da sua persona. Temos ainda Bruce Greenwood como um Presidente dos EUA quase tão cabotino como Donald Trump (os paralelos no discurso são óbvios), bem como os recomendáveis regressos de Edward Holcroft como o traiçoeiro Charlie Hesketh e de Colin Firth como Harry aka Galahad.

Colin Firth imprime classe, densidade e humanidade a Harry, um personagem que tem uma relação de respeito e amizade muito forte com Eggsy. É algo que se mantém do primeiro filme e é reforçado na sequela, com Taron Egerton a demonstrar que o protagonista está mais confiante, mas mantém a sua faceta emocional a lidar quer com as questões relacionadas com o ofício da espionagem, quer com assuntos de ordem pessoal. O argumento nunca descura este lado humano, nem a atribuição de dimensão aos personagens principais, algo que adensa a emoção das missões que estes protagonizam. Pelo meio temos algumas reviravoltas, deslocações a diversos países, agentes-duplos, novas armas e um conjunto de cenas de ação dotadas de ritmo, arte, coreografias notáveis (a câmara e os corpos bailam com uma precisão exímia) e uma utilização certeira da banda sonora (pronta a bombear adrenalina).

Intenso, delirante, irrequieto, politicamente incorreto, dotado de doses assinaláveis de humor, alguns comentários políticos e exageros assumidos sem qualquer ponta de pudor, “Kingsman: The Golden Circle” surge como mais uma prova concreta e irresistível do enorme talento de Matthew Vaughn para a realização de filmes do género.

Aníbal Santiago

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