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Índice Médio de Felicidade: precisamos de falar, Joaquim …

Caro Joaquim, fora qualquer tendência de superioridade, gostaria de perguntar o que realmente lhe aconteceu? O que é que o levou a tornar-se num mero técnico à mercê das vontades questionáveis de um alarve cinema comercial? O senhor foi uma promessa em plenos anos 90, conseguiu, com algum requinte, êxitos memoráveis no cinema português, sem precisar de se rebaixar.

Julgava eu que Sei Lá [1] tinha sido um equivoco, essa sua passividade para com tão questionável matéria-prima. Perdoei-lhe essa falta de insurreição de conteúdo, perante uma insurreição de forma. A técnica prevaleceu nessa cópia descarada de Sexo e a Cidade, por isso isto não é uma insinuação de incompetências por detrás duma câmara de filmar. Nada disso, eu reconheço o seu potencial, sei que é capaz de mais do que isto. Sim, isto. Este Índice Médio de Felicidade, esta adaptação de outro livro que também não foi capaz de se ver insurgido. Nesta história feel-good decorrida nos tempos de austeridade, que poderia de certa forma acompanhar esta vaga de cinema emergente que tem surgido por aí, cujas más-línguas apelidam de “filmes de esquerda”.

Exacto, os Migueis Gomes [2] da vida, essas Mil e uma Noites que tão bem traduziram o estado inerente de um país derrotado e os Sãos Jorges [3] que revelaram força no seu realismo vincado. Poderia ter aprendido com estas abordagens para conceber o seu Índice Médio da Felicidade, porque a vida, por mais otimista que a possamos encarar, precisa de ser tratada com veracidade e tom crítico. Ou se não, aí está, passamos por acríticos com promessas de emocionar com aquilo que os portugueses veem artificialmente nas telenovelas. O filme é pesaroso, os diálogos não têm orgânica, tal como a narrativa e a direcção de atores.

Pior, esconde as boas intenções de um futuro risonho na crenças de cada um, com uma descredibilização da “desgraça” das suas personagens. Recordo o popular filme de Danny Boyle, Slumdog Millionaire – Quem Quer Ser Bilionário, onde o protagonista (Dev Patel) em pleno concurso de Quem Quer Ser Milionário solicita ajuda numa das mais básicas perguntas. Chocado e de tom trocista, o apresentador (Anil Kapoor) refere que tais temas são ensinados na escola e que todas as crianças da primária sabem responder corretamente à questão. O protagonista confronta, afirmando que qualquer criança da “sua rua”, perante a miserabilidade das suas vidas sabe perfeitamente a diferença de rupias entre uma banca de comida e de outra.

Sim, Joaquim, se vai fazer um filme sobre os lesados da crise, do sufoco financeiro que muitos portugueses enfrentaram, nunca coloque uma cena onde o seu protagonista vasculha a carteira em busca de trocos para conseguir comprar um jornal para a sua filha, para que, na cena seguinte, o ponha a levar os filhos ao Jardim Zoológico. Não é filmar num canto só porque parece bem, há que entender que, se vai dirigir este filme para um público, cuja grande parte sofreu com as políticas de austeridade, deve sobretudo falar na respetiva língua. Joaquim, lamento, mas tem aqui o seu pior filme, com uma técnica e linguagem puramente televisiva. Com isto espero as melhoras, atenciosamente…