Sábado, 20 Abril

«Death Note» por André Gonçalves

A apropriação cultural do Ocidente da cultura oriental é um tema proeminente desde que Hollywood se interessou em produzir remakes em massa dos maiores êxitos do terror asiático.

Seria portanto difícil a Death Note, segunda adaptação norte-americana de peso de um anime em 2017 (após Ghost in the Shellescapar às mesmas críticas que outras transições receberam. Mas o que pessoalmente incomoda mais neste resultado final não é o whitewashing em si, mas a cobardia em executar uma apropriação a 100%, gerando aqui um autêntico limbo criativo. A ação pode ter mudado do Japão para Seattle, mas ao contrário de outras apropriações, como The Ring – a adaptação que começou no fundo toda esta febre, não há qualquer cuidado em dar identidade ocidental, para além de mencionar o nome da cidade. O protagonista mantém o mesmo nome do anime, por muito inacreditável que possa soar para um all american boy; a explicação para a adoção do nome japonês Kira é também de si esfarrapada. Poderão parecer pequenos pormenores, mas são pequenos aspetos que de si minam a suspensão de descrença na fantasia que deveríamos ter aqui. 

Death Note é agora então a história de Light Turner (o apelido mudou, vá), um adolescente que um dia vê um bloco de notas cair do céu. Nele, estão contidas regras. Nomeadamente, a “principal”: o nome que for escrito nesse bloco morrerá, cabendo ao escritor de preencher os detalhes dessa morte…

Pior é olhar para os créditos, e perceber que Adam Wingard, que já tinha provado duas vezes o seu valor com You’re NextThe Guest, não conseguiu desta feita ir além de um esforço em trazer uma boa seleção musical aos procedimentos (algo que não será surpresa para quem testemunhou os dois filmes acima), com a dupla de irmãos Atticus e Leopold Ross a lutar para salvar muito deste filme morto à chegada. Caso contrário, a sua realização é serviçal na melhor das hipóteses, decidindo até piscar aqui e ali o olho ao franchise Final Destination pelo caminho, só para garantir que também há uma apropriação interna. Esperemos que o cheque tenha sido bem empregue. 

Já nos atores, quem se safa melhor é precisamente quem teve o cuidado de emprestar apenas a voz, salvando assim uma associação direta. Willem Dafoe (quem mais para um papel vilanesco?) pica bem o ponto a fazer o “boneco” do espírito da morte Ryuk, enquanto que o protagonista Nat Wolff, que tão boas indicações tinha dado em papéis para adaptações sacarinas de John Green ao cinema, espalha-se numa performance que nem sacarina consegue ser, basicamente acumulando mais más decisões que um argumento escrito a seis mãos (oficialmente, pelo menos). 

O melhor que este Death Note conseguiu pescar já foi visto no anime. E o pior não merece definitivamente ser visto. Uma tremenda oportunidade perdida – em estar quieto, ou então, de levar a 100% a tão falada “apropriação cultural”, com uma história que pudesse então explorar a diferença cultural em vez de replicar o que dificilmente seria replicável… 

André Gonçalves

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