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«American Made» (Barry Seal: Traficante Americano) por Duarte Mata

Doug Liman está muito longe de ser considerado um “autor” pelos críticos contemporâneos. Nunca faz duas vezes o mesmo filme, não tem controlo sobre todos os aspetos artísticos da criação cinematográfica, o seu estilo está, até certo ponto, sucumbido às normas de estúdio e não há linhas temáticas que consigam unir a inteireza da sua obra. No entanto, isso não o impede de, em momentos raros, tornar-se num “tarefeiro” mais aliciante que alguns dos seus conterrâneos americanos a quem se poderão aplicar os critérios acima enumerados.

Se dum lado temos os assim-assim Identidade Desconhecida e Jogo Limpo, do outro deparamo-nos com objetos bastante interessantes como Edge of Tomorrow – No Limite do Amanhã, junção entre o conceito bélico de Soldados do Universo e o lado mais fantasioso de O Feitiço do Tempo, com um humor negro muito raro de encontrar em produções semelhantes; e o também deste ano The Wall – O Muro, variação minimalista e alegórica do denominado “filme de cerco”, passado na Guerra do Iraque com a ação maioritariamente concentrada atrás da estrutura semidestruída do título.

Dito isto, o seu novo filme, Barry Seal – Traficante Americano é o seu trabalho mais desapontante em algum tempo. Apesar de Cruise retornar (do anterior Edge of Tomorrow) nesta comédia sobre o piloto de aviões feito traficante de armas e droga entre os EUA e a América Latina na década de 80, Liman não se adapta visualmente pela forma mais conveniente ao material. Se o realizador ainda tenta trazer alguma graça no desenrolar da narrativa, recorrendo circunstancialmente à animação ou freeze frames, o entusiasmo é dissipado nos rápidos planos registados em handheld pouco imaginativos, com recurso a filtros amarelos nas cenas em carteis que já estão muito vistos desde os tempos do Traffic de Soderbergh. Uma estética demasiado derivativa do cinema de ação que, embora se aplique às cenas em aviões e rusgas policiais do filme, está, até certo ponto, desfasada dos momentos humorísticos fora delas, o que acaba por provocar um certo cansaço com as suas duas longas horas de duração.

Para além disso, falta um lado dramático que contrabalance o seu tom satírico, algo que transmita o grande risco e a inevitabilidade punitiva para a qual Seal caminha. Esse outro lado poderia estar na mulher do protagonista, mas, tal como tantas das outras personagens, esta é reduzida a um adereço, demasiado centrada no dinheiro que o marido adquire na clandestinidade e que não hesita em gastar.

Talvez a componente mais agradável do filme seja mesmo a aproveitação de Cruise. Não é preciso ser-se cinéfilo ferrenho para sentir uma sensação de déjà vú ao vê-lo de Ray-Bans colocados a pilotar aviões. É esse contraste que importa estabelecer, o do ator em Top Gun – Ases Indomáveis e o de agora, onde, apesar de partir de personagens com traços análogos, transforma a coolness da personagem no drama romântico do então, em alguém mais cómico, inseguro e capaz de jogar em ambos os lados da lei. Só é pena que não tenha mais filme à altura.

Duarte Mata