Tal como acontecera com o anterior A Lei do Mercado [ler crítica], Stéphane Brizé centra-se num foco inicial, uma mensagem quase pedagógica para que no fim entre num sistema de simbolismos à deriva. Em A Lei do Mercado, Vincent Lindon compunha com humanidade um desempregado em busca, não só da sua sobrevivência, mas do orgulho proletariado, por vezes esquecido num mundo cada vez mais dependente da sombra capitalista e dos avanços tecnológicos alicerçados no tão chamado mercado. Aqui temos Judith Chemla, que se apropria da personagem de Jeanne nesta adaptação de um livro de Guy de Maupassant, um dos mais incontornáveis romancistas franceses. Ela é um “pássaro enclausurado” em prol do seu impotente estatuto numa sociedade patriarcal e dito masculina do século XIX.

Esta personagem de Chemla está assim muito próxima à desempenhada por Lindon: ambos são seres encurralados pelos tempos que não lhe correspondem, pelas sociedades que teimam em rebaixá-los, em torná-los menos que seres humanos, números, no caso da Lei do Mercado, um propósito no caso deste Une Vie. E nesse sentido, é no interesse de assistir um retrato de poucas palavras de uma mulher iludida, aquele espectro vitimado do seu redor. Jovem dotada de felicidade, sob as ordens e visão omnipresente do seu progenitor, em breve, convertendo-se, numa mulher de casa, refém de um amor que depressa evolui para à ordens de um marido dominante: “quem manda nesta casa sou eu“. Jeanne torna-se então, em matéria fílmica, não uma personagem, mas um retrato bifurcado do anterior passado, do presente e do futuro, a condição da mulher, longe dos traços definidos das classes sociais (para não cairmos na história do “coitadinho” dos ricos e a sua “monotonia”).

Assim sendo, Stéphane Brizé transforma esta vida feminina numa outra Lei do Mercado, a exposição dos seus traços comunicativos e narrativos em prol de uma mensagem que facilmente se esgota na sua representação. É com a chegada de outro obstáculos social, a “viuvez” que se instala na nossa Jeanne, que o filme atravessa uma espécie de impasse descritivo. Se anteriormente Une Vie era composto de silêncios e elipses agachadas entre flashbacks discretos, agora é tornado num retrato de martirologia, um erro que já fora cometido a meio gás no já referido A Lei do Mercado, aquele sofrimento que se torna um espectáculo redutível. Constantemente, em cenas seguintes, Jeanne observa o Oceano, recordando dos poucos momentos da sua felicidade, mantendo o saudosismo e as saudades por uma vida que lhe passou completamente ao lado.

Se é bem verdade que o espectador não necessitava de algo concreto – basta sentir, o não-realismo, mas o bressoniano estilo de Brizé – Une Vie é um filme, acima de tudo, que se assume numa voluntaria fachada de requinte, ao invés de um requinte de produto.