Terça-feira, 19 Março

«Handsome Devil» por André Gonçalves

Colégios internos e uma narrativa sobre opressão e respetiva superação graças à influência do Professor. Não se pedia a este irlandês Handsome Devil que reinventasse a roda (até porque o cinema britânico recentemente soube fazer muito sumo de uma receita pouco original, como foi o caso de Pride). A premissa “boy meets boy” num colégio para rapazes está já de si como antípoda da originalidade, sim, mas é acima de tudo a concretização da premissa pouco original numa acumulação de lugares comuns exceto num caso isolado o que custa ver aqui.

Handsome Devil não quer sequer assumir a sua convencionalidade; esforça-se com pequenas irreverências. Entre elas, conta-se uma tira amarela que divide o ecrã (um split screen, portanto) e liga o espectador às personagens e eventos a decorrerem em simultâneo; uma tentativa logo inicial de enganar o espectador com o desenlace; ou dar como traço característico de Ned, o protagonista efetivo da obra, um adolescente ruivo, “patinho feio” (só que não) e o seu amor por tudo o que é o pop rock britânico de eras que o precedem. Bem, isto resulta pelo menos num dos pontos realmente positivos do filme: a sua banda sonora.

Entretanto, o espectador que esteja já habituado a estas histórias tem o seu mapa já desenhado, e é capaz de telegrafar os principais eventos, tiradas de humor incluídas (sobretudo quando há um torneio desportivo e um concurso musical à mistura, para o rapaz “armariado” optar) – e se no final, perante o inevitável “outing”, haveria mesmo assim dois cenários mais que prováveis para escolher (em vez de só um!), a verdade é que a esse ponto, seja qual fosse o desenlance (triste ou feliz), o filme já desistiu de conseguir a atenção de quem pedisse algo efetivamente fora da caixa…

Com isto esclarecido, deve-se ainda assim reforçar como outra nota positiva a não pressão em criar um clima romântico entre os protagonistas no meio da descoberta da sua sexualidade. De resto, mais uma obra padronizada sobre a aquisição de uma identidade fora do rebanho com sotaque britânico. O gozo que o espectador possa tirar deste filme estará portanto inversamente proporcional à sua exposição a estas narrativas. A sua doçura será assim mais notada por quem, sobretudo, inicia uma odisseia pelo cinema queer como modo de reinvindicar a sua própria identidade sexual. Mas que não haja enganos: este género “lições para vida adulta via coming out” é já tão ou mais formatado como as restantes passagens à idade adulta, e Handsome Devil só disfarça (mal) fazer diferente, mesmo com uma pincelada neste quadro genuinamente fora da linha.

André Gonçalves

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